segunda-feira, março 11, 2013

JORGE LUIS BORGES NA BIBLIOTECA AC-II







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JORGE LUÍS BORGES NA BIBLIOTECA AC-I

Escrito por gatodasletras el 17/07/2005

16-07-2005 


BORGES E SERAFIM FERREIRA: LUGAR AOS AMIGOS

O nome do meu querido amigo Serafim Ferreira anda, para mim, indissoluvelmente ligado ao de Jorge Luís Borges.
Desde, pelo menos, que ele publicou na editora Início as «Entrevistas com Jorge Luís Borges» (1967?) e na editora Presença «Jorge Luís Borges»,  (1965) uma antologia apresentada, organizada e traduzida por Serafim Ferreira.
É com enorme alegria que leio hoje no jornal «Público» a notícia de que o Serafim acaba de traduzir mais um livro de Borges: «O Livro dos Seres Imaginários», ed. Teorema, 2005.
Posso imaginar o prazer que lhe deu traduzir o Borges da Zoologia Fantástica. Com o Serafim aprendi a venerar este autor que vi referido, a primeira vez, em 1960, no livro de Louis Pauwels e Jacques Bergier, «Le Matin des Magiciens».
Em homenagem a Borges e ao Serafim, vou à procura nos meus arquivos Big-Bang, dos files com referências a Borges, a Serafim Ferreira e a «Le Matins des Magiciens.»
É um trabalho selectivo que irá exigir-me contenção sinóptica: tem mesmo que ser uma selecção muito selectiva, pois são inúmeros , talvez dezenas, os files com aquelas referências: Borges, Serafim Ferreira e «Planète».
Orgulho mesmo é poder anunciar aqui, neste blog dos livros da minha vida, que a Biblioteca do Gato conserva ainda treze títulos, embora dois dos nove das obras completas (ed. Emecê) estejam desaparecidos: talvez os tenha emprestado ao Serafim, mas nesse caso foi por uma boa causa e foram parar a boas mãos.

13 TÍTULOS NA BIBLIOTECA DO GATO

Georges Charbonnier – «Entrevistas com Jorge Luís Borges» - Ed. Início, Lisboa, 1967 (?) – Trad. de Serafim Ferreira
Serafim Ferreira - «Jorge Luís Borges » – Ed. Presença, Lisboa, 1965
Jorge Luis Borges - «História Universal da Infâmia» - Trad. José Bento – Ed. Assírio Alvim
Jorge Luis Borges - «Ficções» - Col. Novis, Nº 13 – Ed. Abril/Control Jornal , Lisboa, 2000
Jorge Luis Borges - «Nova Antologia Pessoal» - Ed. Difel, Lisboa, 1987
Jorge Luis Borges - «Este Ofício de Poeta» - Ed. Teorema, Lisboa, 2002
Jorge Luis Borges - «El Aleph» - Ed. Emecê, Buenos Aires, 1957
Jorge Luis Borges - «Historia Universal de la Infamia» - Ed. Emecê, Buenos Aires, 1957
Jorge Luis Borges - «Evaristo Carriego» - Ed. Emecê, Buenos Aires, 1957
Jorge Luis Borges - «Ficciones» - Ed. Emecê, Buenos Aires, 1957
Jorge Luis Borges - «Discusión » - Ed. Emecê, Buenos Aires, 1957
Jorge Luis Borges - «Otras Inquisiciones» - Ed. Emecê, Buenos Aires, 1957
Jorge Luis Borges - «El Acedor» - Ed. Emecê, Buenos Aires, 1957 ■


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ROGER CAILLOIS NA BIBLIOTECA AC-II






 caillois-2-ls> quarta-feira, 18 de Dezembro de 2002


UM TEXTO DE ROGER CAILLOIS:
A GUERRA NECESSITA
DE TODAS AS ENERGIAS

«A guerra representa bem o paroxismo da existência, nas sociedades modernas. Constitui o fenómeno total que as levanta e transforma inteiramente, cortando, por um terrível contraste, o curso calmo do tempo de paz.
É a fase de tensão extrema da vida colectiva, a da forte coesão das multidões e do seu esforço. Todos são roubados à sua profissão, ao seu lar, aos seus hábitos, ao seu lazer enfim. A guerra destroi brutalmente o círculo de liberdade que cada um prepara à sua volta para prazer próprio e que respeita no vizinho. Interrompe a felicidade e as quezílias dos amantes, a intriga do ambicioso e a obra prosseguida no silêncio pelo artista, o erudito, o inventor. Arruina indistintamente a inquietude e a placidez, nenhuma coisa privada subsiste, nem criação, nem alegria, nem a própria angústia: ninguém pode permanecer à margem ou ocupar-se de tarefa diferente porque não há ninguém que de um modo ou de outro não tenha de se lhe entregar. A guerra necessita de todas as energias.

O mesmo sucede com essa espécie de isolamento em que cada qual compõe a seu modo a própria existência, sem participar muito da coisa pública, numa altura em que a sociedade instiga todos os seus membros a um alerta colectivo que os situa logo lado a lado, os reúne, os empertiga, os aproxima de corpo e alma.
Chegou a hora em que a sociedade deixa bruscamente de ser tolerante, indulgente e como que ciosa de se fazer esquecer por aqueles cuja prosperidade protege. Agora apropria-se dos bens, exige o tempo, a fadiga, o próprio sangue dos cidadãos. O uniforme assinala de maneira visível que cada um deles abandona tudo quanto o distinguia dos outros para servir a comunidade, não como entende, mas consoante o que o uniforme lhe indica que deve fazer no posto que lhe atribui.
A analogia entre a guerra e a festa é portanto aí absoluta: ambas iniciam um período de forte socialização, de comunhão dos instrumentos, dos recursos, das forças; interrompem o tempo em que os indivíduos se afadigam cada um para seu lado numa multitude de domínios diferentes. Por sua vez, estes dependem uns dos outros, sobrepõem-se mutuamente, muito mais do que ocupam lugar definido numa estrutura rigorosa.
Nas sociedades modernas a guerra representa por este motivo o único momento de concentração e absorção intensa no grupo de tudo o que ordinariamente tende a manter uma certa zona de independência.»

Roger Caillois, in L'Homme et le Sacré



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ROGER CAILLOIS NA BIBLIOTECA AC-I

1-3 - caillois-1-ls-> quarta-feira, 18 de Dezembro de 2002-scan

A AVENTURA POÉTICA
PRELUDIA A AVENTURA TRÁGICA(*)


[ ?????] – 1 - A aventura poética preludia a aventura trágica. A palavra antecede ou prefacia o silêncio, a existência o ser, a vida a morte, e a literatura o teatro

Entre uma e outra aventura, a quietude ou abstenção mística, ausência de palavra e de acto, tempo de suspensão entre a palavra e o silêncio, entre o poético  e o trágico, o literário e o teatral.

Silêncio entre o silêncio da linguagem e a linguagem do silêncio.

Limiar da encenação trágica,  a ascese mística elide a palavra - que era para o coro dionisíaco uma das máscaras - e acto. O corpo do místico antecede imediatamente o corpo do actor. A mímica do êxtase prefigura a mímica teatral. Na meditação mística ou existencial inicia-se a «doença» que é o pensar sobre a morte ou sobre o «mal de existir», doença que eclodirá na morte em acto da tragédia. Na exasperada individuação do místico atinge a vida uma das fronteiras com a morte, fronteira idêntica à que se toca na tragédia.

2 - Actor é o que põe em acto a morte, o que, vivendo a morte, a esconjura ou exorcisma, por
catarse, do corpo do espectador.

Ao falar da quietismo ou abstenção mística, pressupondo incluída a meditação existencial de quantos, dentro ou fora da ortodoxia cristã, heréticos ou não, se interrogaram sobre o «mal de existir», sobre a «doença de existir».

Todos os que, de Buda a Schopenhauer, de Sócrates a Pascal, de Ésquilo a Nietzsche, de Dostoievski a Chestov, de Santo Agostinho a Kierkegaard, de Kafka a Fernando Pessoa, de Raul Brandão a Camus, repuseram o eterno enigma, reformularam a eterna pergunta, sem nunca ouvirem a resposta, nem por uma ideia, nem por uma crença, nem por um argumento, nem por uma evidência.

Não houve promessas de outros mundos, não houve paganismos e neo-paganismos, não houve religiões de igreja e religiões de estado, messianismos políticos e políticos messias, humanismos e humanistas, salvações e salvadores do mundo, não houve evidências, não houve sistemas, promessas de felicidade e cura, a curto ou longo prazo, para este e para o outro mundo, não houve talismãs, técnicas, poderes, ciências, não houve optimistas e optimismos,  não houve nada, nada que abafasse a voz trágica nada que impedisse o homem de temer a morte e desafiá-la, de lhe fugir e para ela fugir, de a tentar e de nela se tentar, nada que explicasse a esfinge, nada que matasse a fome de absoluto, nada que resolvesse o mistério da existência. Nada acalmou nem calou a voz trágica, voz do silêncio, voz das vozes que o homem perdeu e nele se perderam, voz de quando já nada se sabe , pode e quer dizer.

3 - Na tragédia, nada se afirma e nada se nega. Tudo vem do enigma e a ele volta. A tragédia é o campo infinito da interrogação. O campo da liberdade.
Mas fora do teatro, do teatro quimicamente puro que é a tragédia, o homem não deixa de prefaciar a morte, de pensar a morte, de interrogar a morte. Não deixa por isso de falar, de escrever, de, em suma, «fazer literatura».

Esta a única justificação que ainda hoje pode ter a literatura: a de servir de prefácio à encenação trágica, à montagem teatral, à acção do actor. O autor serve o actor.

Fora isto, que motivos, além dos inconfessáveis, pode haver para defender ainda a literatura? Fora isto, que pode ser a literatura além de "cochonnerie»?

4 - Para Artaud, o teatro nunca poderia ser o que a degradação burguesa fez dele: uma dependência da literatura, da linguagem, da imunda palavra; o teatro, na sua origem, é a tragédia, assim como a literatura, na sua origem, é a poesia.

5 - Quando o teatro procura a sua essência, ou origem ou substância, ou autenticidade, procura-a nas manifestações ditas religiosas de civilizações perdidas e ignoradas da Civilização, e diz-se que reassume o carácter religioso ou de religião o carácter de comunicação esotérica ou comunicação sem palavras oposta à comunicação exotérica ou literária.

Este (o teatro da morte e do sagrado e do esotérico) é o teatro das trevas, das vísceras e artérias fluindo, do esgar, da mímica, do ritmo e do ritual, da orgia, da dança, da festa, o
teatro de Diónisos, o teatro do actor e só do actor.

6 - No conspecto trágico, a morte não é um apêndice, um terminal da vida. No contexto trágico, a morte é outra realidade (outra vida?) que a vida desconhece.

Medianeiro entre uma e outra realidade, é o actor e, por extensão, o teatro. O actor representa a morte. Induz  a morte da potência ao acto e do acto ao facto.

O autor trágico pensa a morte O actor trágico vive a morte. Pensar a morte é ser doente,
doente do «mal de existir»

O tempo é para o suicida, o doente incurável, o condenado à morte, o soldado em. Campanha,  para todo o que pensa a morte, a única realidade.

O tempo é para o actor que vive a morte, a única realidade.

Vivendo a morte,o actor (trágico) vive a liberdade que é a morte.

A liberdade, para ser liberdade, infinitamente se reclama a si própria, até à liberdade das liberdades - a morte.
A liberdade é o único absoluto. E só o teatro, na pureza da sua origem - a tragédia - a representa. Teatro e morte identificam-se. Ser absolutamente é morte e teatro.

Sinónimos entre si,  tragédia, teatro e morte são também sinónimos de alegria, de dionisíaca alegria, e autores trágicos não são pessimistas como diz a crítica, mas apenas isso: trágicos.

7 - A guerra sacralizou-se, na guerra está, segundo Roger Caillois, o sucedâneo das festas, dos ritos orgiásticos, do coro dionisíaco. E no único, exclusivo, desmedido palco do mundo estaria hoje, realizando-se pelo avesso, a tragédia quimicamente pura, a essência do teatro.

Erguer pequenos palcos, neste palco gigante, parecerá uma redundância. Mas não é. É virar a tragédia para o direito. É passar a ferro e a miniatura o mundo de hoje . É o  eco do eco do eco do coro dionisíaco.

Tempo de excesso, de violência, de ultraje (L'Homme et Le Sacré , de Roger Caillois, pág.. 230) de alguns homens sobre todos os homens, eis que outra minoria ergue sobre o palco de tábuas a réplica desse excesso, dessa violência, desse ultraje.

Só com a  diferença; enquanto no pequeno palco o trágico é de significação individual, no palco da história o trágico é de proporções colectivas e os assassinos não prestam contas a ninguém.

Falsos Diónisos, possessos apenas de raiva (Tisífone), de carnificina (Megere), de inveja (Alecto), nada há nessas erínias que lembre e honre a fúria dionisíaca.

Por  isso é necessário continuar representando, em palco aberto, o último acto da tragédia, ritual de sacrifício e crueldade em que o homem será a vítima oferendada a si próprio. A encenação está feita, o palco montado, os actores em acção.
----  
(*) Esta estranha prosa de Afonso Cautela, claramente sob o efeito do «Théatre et son Double» de Antonin Artaud, só cita Roger Caillois e foi publicada no suplemento literário do «Jornal de Notícias», Porto, em data por identificar


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ANTONIN ARTAUD NA VIDEOTECA AC


segunda-feira, 11 de Março de 2013



ANTONIN ARTAUD: UMA EXPERIÊNCIA INICIÁTICA 
QUE SE IGNORA COMO TAL


Arrumado na estante dos filósofos ( e filosofias) existenciais, Antonin Artaud marcou o Trajecto AC por ser uma encruzilhada de caminhos onde convergem e de onde divergem os que, de um modo geral, designei por «Errâncias da Razão».
E neste sentido, o surrealismo está potencialmente presente.
Encarado mesmo objectivamente, a principal característica de Antonin Artaud será a de não se enquadrar em nenhum ismo mas, pela vivência de duras provas e provações (experiência que se diria iniciática) vai abranger uma rede de linhas e de interligações que só ele, pela experiência vivida, estava em condições de (d) escrever.
Existencial e surreal fundem-se em Antonin Artaud.

*

http://www.respire-asbl.be/Extrait-de-Pour-en-finir-avec-le
http://www.dailymotion.com/video/x9idj5_antonin-artaud-pour-en-finir-avec-l_webcam

TEMAS DA CASSETE VÍDEO:

Poema para além do Tempo a Antonin Artaud
Pour en finir avec le jugement de Dieu
Les Epiphanies , de Henri Pichete



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ANTONIN ARTAUD: A CATARSE TRÁGICA




    ANTONIN ARTAUD FRENTE AO «MAL DE EXISTIR»


     O TEATRO E A MORTE OU A CATARSE TRÁGICA (*)


(*) Este texto de Afonso Cautela foi publicado no  suplemento literário do «Jornal de Notícias» (Porto), em 23.Janeiro.1964

1 — A aventura poética preludia a aventura trágica. A palavra antecede ou prefacia o silêncio, a existência o ser, a vida a morte. E a literatura o teatro.
Entre uma e outra aventura, a quietude ou abstenção mística, ausência de palavra e de acto, tempo de suspensão entre a palavra e o silêncio, entre o poético e o trágico, o literário e o teatral, silêncio entre o silêncio da linguagem e a linguagem do silêncio.
Limiar da encenação trágica, a ascese mística elide palavra — a palavra que era para o coro dionisíaco uma das máscaras — e acto. O corpo do místico antecede imediatamente o corpo do actor. A mímica do êxtase prefigura a mímica teatral. Na meditação mística ou existencial inicia-se  a   «doença»   que  é  o   pensar sobre   a   morte   ou   sobre   o   «mal de  existir»,   doença   que   eclodirá  na   morte em  acto   da   tragédia.
Na   exasperada  individuação   do místico  atinge   a   vida   uma das fronteiras com a morte, fronteira idêntica à  que se toca  na tragédia.
Actor é o que põe em acto a morte, o que, vivendo a morte, a esconjura ou exorcisma, por catarse, do corpo do espectador.

2 — Ao falar de quietismo ou abstenção mística, pressuponho incluída a meditação existencial de quantos, dentro ou fora da ortodoxia cristã, heréticos ou não, se interrogaram sobre a «mal de existir», sobre a «doença de existir».
Todos  os  que,  de   Buda   a   Shopenhauer, de Sócrates a Pascal, de Ésquilo a Nietzsche, de Dostoievski a Chestov, de Santo Agostinho a Kierkegaard, de Kafka a Fernando Pessoa, de Raul Brandão a Camus, repuseram o eterno enigma, reformularam a eterna pergunta, sem nunca ouvirem a resposta, nem por uma ideia, nem por uma crença, nem por um argumento, nem por uma evidência.
Não  houve  promessas   de   outros   mundos,  não houve  paganismos e neo-paganismos, não houve  religiões de igreja e  religiões  de Estado, messianismos políticos e políticos messias, humanismos e humanistas, salvações e salvadores do mundo, não houve evidências, não houve sistemas, promessas de felicidade e cura, o curto ou longo prazo, para este e para o outro mundo, não houve talismãs, técnicas, poderes, ciências, não houve optimistas e optimismo, não houve nada, nada que abafasse a voz trágica, nada que impedisse o homem de temer a morte e desafiá-la, de lhe fugir e para ela fugir, de a tentar e de nela se tentar, nada que explicasse a esfinge, nada que matasse a fome de absoluto, nada que resolvesse o mistério da existência. Nada acalmou nem calou a voz trágica, voz do silêncio, voz das vozes que o homem perdeu e nele se perderam, voz de quando já nada se sabe, pode e quer dizer.

3 — Na tragédia, nada se afirma e nada se nega. Tudo vem do enigma e a ele volta. A tragédia é o campo infinito da interrogação. O campo da liberdade.
Mas fora do teatro, do teatro quimicamente puro que é a tragédia, o homem não deixa de prefaciar a morte, de pensar a morte, de interrogar a morte. Não deixa por isso de falar, de escrever, de, em suma, «fazer literatura».
Esta a única justificação que ainda hoje pode ter a literatura: a de servir de prefácio à encenação trágica, à montagem teatral, à acção do actor. O autor serve o actor.
Fora isto, que motivos, além dos inconfessáveis, pode haver para defender ainda a literatura? Fora isto, que pode ser a literatura além de «cochonnerie» ?

4 - Para Artaud, o teatro nunca poderia ser o que a degradação burguesa fez dele; uma dependência da literatura, da linguagem, da imunda palavra; o teatro, na sua origem, é a tragédia, assim como a literatura, na sua origem, é a poesia.

5 - Quando o teatro procura a sua essência, ou origem ou substância, ou autenticidade, procura-a nas manifestações ditas religiosas de civilizações perdidas e ignoradas da Civilização ocidental e diz-se que reassume o carácter religioso ou de religião, o carácter de comunicação esotérica ou comunicação sem palavras oposta à comunicação exotérica ou literária.
Este (o teatro da morte e do sagrado e do esotérico) é o teatro das trevas, das vísceras e artérias fluindo, do esgar, da mímica, do ritmo e do ritual, da orgia, da dança, da festa, o teatro de Diónisos, o teatro do actor e só do actor.

6 — No conspecto trágico, a morte não é um apêndice, um terminal da vida. No contexto trágico, a morte é outra realidade (outra vida?) que a vida desconhece.
Medianeiro entre uma e outra realidade, é o actor e, por extensão, o teatro. O actor representa a morte. Induz a morte da potência ao acto e do acto ao facto.
O autor trágico pensa a morte. O actor trágico vive a morte. Pensar a morte é ser doente, doente do «mal de existir».
O tempo é para o suicida, o doente incurável, o condenado à morte, o soldado em campanha, para todo o que pensa a morte, enfim, a única realidade.
O tempo é para o autor trágico, para o filósofo existencial (que geralmente escreve diários, talvez no desejo de fazer parar o tempo...), para o místico, para todos os que pensam a morte, enfim, a única realidade.
O tempo é para o actor, que vive a morte, a única realidade
Vivendo a morte, o actor (trágico) vive a liberdade que é a morte.
A liberdade, para ser liberdade, infinitamente se reclama a si própria, até à liberdade das liberdades — a morte.
A   liberdade   é   o   único   absoluto. E só o teatro, na pureza da  sua   origem - a   tragédia – a     representa.  Teatro e morte identificam-se.  Ser   absolutamente  é  a morte de teatro.
Sinónimos   entre   si  -  tragédia,  teatro e  morte são  - também sinónimos  de  alegria,   de   dionisíaca alegria, e os autores trágicos não
são «pessimistas» como diz a crítica,   mas   apenas   isso:  trágicos.
 
7 — A    guerra     sacralizou-se,  na   guerra    está,   segundo    Roger     Caillois,   o  sucedâneo   das   festas,  dos ritos orgiásticos, do coro dionisíaco.   E   no    único,     exclusivo, desmedido  palco do  mundo  esta  ria hoje, realizando-se pelo avesso, a tragédia quimicamente pura, a   essência  do  teatro.
Erguer   pequenos palcos, neste    palco gigante,   parecerá    uma
redundância.  Mas  não  é. É  virar a tragédia para o direito. É passar a ferro e a miniatura o mundo de  hoje.   Ê   o  eco  do  eco  do  eco do  coro  dionisíaco.
«Tempo de excesso, de violências, de ultraje (L’Homme et le Sacré, de Roger Caillois, pág. 230) de alguns homens sobre todos os homens, eis que outra minoria ergue sobre o palco de tábuas a réplica desse excesso, dessa violência, desse ultraje.
Só com a diferença; enquanto no pequeno palco o trágico é de significação individual, no palco da história o trágico é de proporções colectivas e os assassinos não prestam contas a ninguém. Falsos Diónisos, possessos apenas de raiva (Tisífone), de carnificina (Megere), de inveja (Alecto), nada há nessas «erínias que lembre e honre a fúria dionisíaca. Por isso é necessário continuar representando, em palco aberto, o último acto da tragédia, ritual de sacrifício e crueldade em que o homem será a vitima oferendada a si próprio. A encenação está feita, o palco montado, os actores em acção.
AFONSO   CAUTELA




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ANTONIN ARTAUD: NA BIBLIOTECA AC

Escrito por gatodasletras 

17/07/2005
 Por ser o texto mais antigo e, ao mesmo tempo, o mais curto, é o que transcrevo hoje, remetendo para os meus arquivos de manuscritos, dactil-manuscritos e prints de files word
 *

Porto, 1959

# Leituras: «Origem da Tragédia» e «O Teatro e o Seu Duplo»
# Intuições AC *****
# Forum dos Aflitos ( voz do Actor)
# Para Ficcões AC
# Teatro de la Basoche (vd artigo Dezembro 1959)

Pelo trágico passam apenas linhas rectas, que são a mais curta distância entre dois pontos.
O trágico (poesia em acção) é a metamorfose do humano para o transumano, do físico para o metafísico, do natural para o sobrenatural, ponte entre o consciente e o inconsciente, o sacro e o profano, a vida e a morte.
O trágico é a voz de quando já não há palavras ou há apenas palavras.
O trágico, poesia de aproximação, entre actor e espectador, entre os espectadores, entre os idiomas, entre as antinomias, entre as distâncias da terra, entre os tempos da história, o trágico reintegra o mundo a desintegrar-se.
O trágico, primeira força mítica de um tempo sem mitos ou de mitos crus e álgidos, degenerados, une o coração do homem ao coração da divindade, o coração das pátrias ao coração do universo.
Em todos os pontos da terra, nas linhas de fractura e combate, linhas tortas por onde o poeta escreve direito, nas cavernas-refúgio da nova religião [?], grupos de teatro preparam, no quotidiano, a reabilitação do eterno; preparam, queimando-se, a massa ardente de uma mitogonia nova [?] fundam, reconstituindo-a nas pedras e tábuas de um palco, a primitiva «fons vitae» do homem.
*
TRISTE RETROSPECTIVA : ANTONIN ARTAUD

17/07/2005 
 Trouxe ontem da feira dos alfarrabistas (Largo de S. Carlos) mais um exemplar da edição de «O Teatro e o Seu Duplo», com prefácio de Urbano Tavares Rodrigues, edição Minotauro, infelizmente sem data.
Significa que guardo poucos títulos de um autor de que cheguei a ter as obras completas, creio que da Gallimard. Tristezas das retrospectivas.






São apenas três os títulos que a Biblioteca do Gato ainda guarda:
1.Antonin Artaud – Van Gogh o Suicida da Sociedade – Hiena Editora – Trad. de Aníbal Fernandes

2.Antonin Artaud – Em Plena Noite ou o Bluff Surrealista
3. Antonin Artaud – O Teatro e o Seu Duplo – Trad. de Fiama Hasse Pais Brandão – Prefácio de Urbano Tavares Rodrigues – Ed. Minotauro

Para compensar a tristeza dos poucos livros que ainda guardo, indico os files que, no meu computador, referem o nome de Artaud, incluindo um longo poema que escrevi e que vai assinalado com  cinco estrelas (*****) :

03-03-21
61-03-24*
 

Podem ser consultados nos meus arquivos de manuscritos, dactil-manuscritos e prints de files word.

Mas o que eu quero mesmo que seja lembrado  é o longo poema «diário de antonin artaud no hospício de rodez», de que saiu um fragmento nos cadernos «alfa», Nº 1, a convite do Fernando J.B.Martinho, que ainda há semanas encontrei e que me deu o endereço de e-mail.
O nome do file diz da data em que foi escrito:
61-03-24

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