sábado, fevereiro 21, 2009

IDEIAS AC 1957

1-1 69-02-17-sa-eu-esc-1- autobiografia do afonso - domingo, 13 de Abril de 2003

[texto pouco brilhante e significativo - mero apontamento memorandum - eventualmente a reteclar (texto aberto)

PROSPECTIVA E INICIAÇÃO LITERÁRIA

17/2/1969 - Se há matéria que se devia ensinar à juventude, a Prospectiva é com certeza essa matéria. Na literatura, algumas estreias recentes mostram como estão viciadas dos mesmos ingredientes que tornaram obras literárias de há 30 anos (muito consideradas na altura) em monos de antiquário.
O literário pelo literário prevalece e abunda. Não se vive e depois escreve. Escreve-se e depois vive-se (ou nem depois). O escrever impede de viver. Respira-se literário no sentido mais livresco. As páginas juvenis acusam esse teor. Nada já dizem. Acostumaram-se a uma repetição monocórdica de alguns «mestres» e nada revelam de audácia, de originalidade, de autêntica experiência e de arrojo na descoberta.
Talvez porque o método e ponto de arranque estejam errados. Talvez.
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eu-prec
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19-4-1992

INÉDITOS + PUBLICADOS AC EM SELECÇÃO A4

 25 anos de intuições AC (*): 1963 (Maio) a 1975(Junho)
 Linhas de arrumação por fases (etapas ou entre-datas):
- Diário da Heresia (1963)
- Diário de uma Descoberta (Ecologia Humana)
- Intuições fundamentais de Ecologia Humana (1971-72-73)
- Intuições AC de EH e RF (realismo fantástico)

DA ECOLOGIA HUMANA À HOLÍSTICA

Intuições AC:
- arrumadas aqui por ordem cronológica (1957-1986)
- já lançadas em c.r. (computador da redacção)
- inclui originais de publicados e recortes de publicados
- provas documentais, portanto, de algumas heresias AC, algumas das quais já deixaram, entretanto, e com o progresso da ciência, de ser heresias
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(*) Teses «loucas» de AC - Ver atado «Antinuclear» - onde se incluem textos AC sobre o que chamei de «sindroma sísmico-nuclear», tese que até hoje (19/Abril/1992) ninguém adoptou, à excepção de Hans Kaminsiki, de Bochum (e mesmo assim só parcialmente). Ver «Imbróglio Celulósico-Florestal» (outra tese «louca» AC) no dossier «Temas Sazonais»
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eu-esc-6

A NECESSIDADE QUE ELE TINHA DE HETERÓNIMOS

Lisboa, 29/6/1992 - Literatura não é Arte e exclui, portanto, o virtuosismo inerente a todas as artes. Não faz sentido pretender o virtuosismo no escritor, tal como se exige e espera do Violinista, do Pianista, do Tenor, do Maestro, do Compositor, do Pintor, do (...).
Não faz sentido subordinar a literatura - lugar comum do lugar comum - a géneros, como se comprova pelo anti-livro que se chama «Livro do Desassossego». O (anti-) livro é o último reduto dos que já não podem pensar nem escrever em mais nenhuma outra parte - nem sequer nas portas dos lavabos, nem sequer nos rolos de papel higiénico - último reduto dos que perderam tudo, menos a esferográfica e um papel de embrulho.
«Só o livro é livre» escreveu o sonhador e utopista Afonso Cautela . Ilusões. A grande questão dos heterónimos do escriturário Fernando Pessoa é apenas esta evidência. Para quem escreve - e não tem rigorosamente nenhum talento artístico de espécie nenhuma - a saída da ficção romanesca é uma falsa e estreita saída: os personagens, dentro de uma intriga romanesca, só se permitem trocar banalidades.
Vamos imaginar um romance à maneira onde o Fernando Pessoa despejasse o discurso que despejou no Bernardo Soares, no Álvaro de Campos, no Ricardo Reis, no (...)? Só a heteronimia o salvou de morrer asfixiado. O romance, com as regras catalogadas por David Mourão Ferreira, Eduardo Prado Coelho e todos os outros críticos, só dá saída a uma relativa normalidade, sinónimo de mediocridade, como todos eles concordam. Onde caberá o resto, se não em heterónimos?
Um escriturário com a obrigação predestinada e obstinada de traduzir o Universo, não podia escrever literatura de acordo com todas as regras impostas pelos professores de Literatura e outrosagentes da ordem cultural estabelecida.
Há quase meio século que eles andam a ruminar Fernando Pessoa e, como se sabe, ainda não o metabolizaram.
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3072 BYTES-eu-esq-7

2 MANUSCRITOS DE 1971

Lisboa, 7/5/1971
- ( será este texto mesmo de 1971 ou uma repescagem tardia? ele serve, claro, de texto aberto para reteclar um dia, ele serve de base a MEMÓRIAS AC mas também tem interfaces com) :
- # - Diário da resistência

- # - Intuições AC
- # - As teses malditas de AC

1 - Nesta imensa solidão intelectual que é Portugal, tentei algumas vezes, a pretexto de entrevistas, escutar alguns intelectuais que me pareciam mais responsáveis e que, por isso, deviam ter, a meu ver, opinião sobre a civilização, as doenças da civilização e a civilização como doença. Quase todos e a quase todas as perguntas se furtaram, enquanto as classificavam, na maior parte, de «preconceitos» meus. Não interessa nomear, apontar quem foi. Limito-me a deixar arquivadas as perguntas que poderão porventura vir a servir, no futuro, em tempos mais felizes e propícios, a outros entrevistadores que queiram saber dos entrevistados «para onde vai a civilização do lixo».
[ intuições ac - as minhas teses malditas - ]

2 - Lisboa, 26/12/1970 - Quando o mais medíocre dos homens - que eu, sem falsas modéstias, sei ser - se sente, em certos instantes, obrigado ao papel de profeta, tenho de concluir que o nosso tempo é de facto um tempo de arrasadora mediocridade . (cf. «Le Manifeste Différencialiste», de Henri Lefèbvre). Quando as pessoas, televisionadas , não querem ver as evidências que se metem pelos olhos da cara, quando os absurdos se repetem nos mais pequenos pormenores quotidianos, que fazer? Que pensar?  Que fui eu a perder a razão, ou que todos eles a perderam? É triste que, com tanta gente sábia de volta, a guerra para reabilitar alguns lugares-comuns, algumas evidências, algumas coisas mais do que óbvias, seja esta guerra que aqui se trava, quotidiana e contrariadamente. Com tal gente, não se progride nada, estagna a espiral da evolução [??]. Que fazer?
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eu-esq- diario ac anos 70 - rigorosamente inédito (ri) - diariamente a crueldade de existir  - as relações humanas texto aberto - ensaios de karma yoga (iniciação à sabedoria) - diário de um suicida - atribulações de um cidadão comum - # obsessões ac = intuições ac - leituras moraes = contos morais

DIÁRIO DA CRUELDADE

A dependência em que alguém possa estar de alguém, é o princípio de todos os despotismos e de toda a corrupção. Diariamente o confirmamos. Se as humilhações recebidas servem, às vezes, para nos revigorar o ânimo, na maior parte o limiar de resistência é ultrapassado. Se alguém analisar lá bem no fundo da sua consciência, não consegue de facto encontrar nenhum pecado tão pesado para expiar, pelo qual precise de receber tanta bofetada, tanta pisadela, tanto encontrão e tanta canelada, tanta crueldade ao longo dos dias, das semanas, dos anos.
Se é verdade que a teoria da metempsicose nos dá uma certa tonicidade moral e nos ajuda a suportar a diária humilhação de quantos, tendo o poder, nos podem atirar as pedradas, se é verdade que, segundo a lei do carma, «tudo se paga», neste mundo ou no outro, e que nada fica atrasado na contabilidade cósmica, quem diariamente enfrenta a crueldade de existir -- sobre o Planeta Terra, no ano de 1974 depois de Cristo - dificilmente encontra na metempsicose algum consolo...
É que mal um arranhão está a cicatrizar, já nos fizeram mais dois; mal estamos a recuperar de uma bofetada sem mão de um minidéspota qualquer e já outro se assanha, sob a forma de transeunte diário, irmão e camarada de infortúnio, compatriota e conterrâneo... Claro que ninguém tem coragem de se confessar. Todos receiam mostrar que são vítimas diárias desta «pouca sorte»... Inibem-se. Iludem-se, exibem o seu melhor sorriso de clorofila. Ao que se queixa, até talvez se chame refilão, protestante, contestatário. Para lá do mais, o bicho não só deve aguentar no pelo a água a ferver, como não deve queixar-se, tugir nem mugir, grunhir sequer. Quando alguma coisa boa e pura nos acontece -- a ternura de um filho, de um irmão, de um amigo, por exemplo -- ele chega a pensar que não é com ele, nem tem coragem de acreditar e julga que foi engano do destino. Quando se abre uma clareira de tréguas neste massacre quotidiano, o doente já nem aprecia a paz, antevendo que a seguir será ainda pior... Uma hora de sorte em mil de azar, pode ser interpretada como prenúncio de uma ofensiva ainda mais dura, mais desumana, mais cruel do destino.

ALGUNS SÃO MESMO FELIZES

Suspeito, no entanto, de que a felicidade exibida de muitos, não é fictícia. Eles são efectivamente homens de sorte. Nem caneladas, nem empurrões, nem lâmina de ingratidões. São escolhidos de deus, eleitos da sorte. E a pergunta impõe-se: como é que está afinal (des)organizada esta economia cósmica, para assim suceder: toda a patifaria contra uns e nenhuma para outros. Sem querer, um tipo torna-se maniqueísta. Não há dúvida que o mundo está dividido: vítimas de um lado e os que fazem vítimas do outro. Sem que os papéis mudem um só instante, sem que haja repouso, ou piedade, ou tréguas para os vencidos, os da mó de baixo, para o azarento, o nervoso, o magro, o subdesenvolvido. O mais confuso desta (in)justiça universal é que nem só o dinheiro faz vítimas; pode muito, mas as formas de violência surgem às vezes e mais vezes do próprio interior das pessoas. Quem quiser formar um clube de azarentos, ponha um dedo no ar! Muitas vezes o marginal pensou em se auto-excluir, muitas vezes sonhou com a ataraxia e a abstenção de agir. Muitas vezes sonhou que, evitando contactos, conversas, telefones, conferências, entrevistas, cafés, se safava . Belo sonho desfeito, esse. O destino vai atrás dele mesmo que ele fuja do destino. Quando um pobre do submundo da infelicidade é perseguido pelos «maus espíritos», vão explorá-lo a todos os lados, até ao outro mundo vão. E talvez por isso o suicídio não seja saída nem remédio. Quanto mais o pobre «out» julga abster-se, mais está a colidir com as respeitáveis trajectórias  de respeitáveis senhores repletos de felicidade. Não fosse esta convicção hinduísta do carma -- tudo se paga e a hora do triste trapo há-de chegar, nem que seja na outra reencarnação -- , não fosse a fé na transmigração das almas e na justiça do Juízo final e - oh! meu falecido e sempre lembrado Fernando Pessoa! - já tinha mesmo dado um fim a isto, quer isso fosse ou não um grande atraso de vida na outra vida, no grande circuito espiral das transmigrações!
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DEFESA INSTINTIVA CONTRA O INEVITÁVEL - 1/3/1969 - [ a reteclar - texto aberto] - Uma defesa «psicológica» quase instintiva contra o fenómeno inevitável dos sismos: culpar as experiências atómicas subterrâneas, porque são obra humana. Ou os senhorios das habitações; ou o governo que não cria as condições de segurança das populações, ou a Imprensa que não educa o público sobre a maneira como se há-de defender das derrocadas...

[19/2/1992 - Repes. - De facto, os fatalismos da Natureza assustam-nos mais do que quaisquer obras humanas. E temos que atribuir a causas humanas os cataclismos naturais para encontrarmos uma estrutura emocional e intelectual de apoio; temos que racionalizar o irracional; temos que encontrar um alvo responsável para descarregar a crítica, o ódio, o pavor, a nossa covardia, enfim, face ao desconhecido. Ao que não se rege por nenhuma norma plausível e previsível de ritmo ou retorno ou sazonalidade. Se um dia o sol nascesse a Ocidente, ou dançasse no céu, ou a temperatura começasse a subir sem controle, ou os anos passassem a ter 100 dias, ou [---] isso faria enlouquecer multidões. É a relativa ordem do universo que mantém uma relativa ordem na mente humana e no seu equilíbrio psico-físico. Mas abre-se um infinito à ficção se eu conceber cenários que quebram exactamente essas regras inamovíveis. Se um sismo tiver hora marcada, por exemplo; ou se as aves passarem a rastejar; ou se um burro voa; ou se na rua andarmos de cabeça pra baixo; ou se um cão nascer com cabeça de gato ou um gato nascer com cabeça de cão; ou se um rio correr da foz para a nascente; ou se o português se escrever da direita para a esquerda; ou se um divórcio se processa antes de um casamento; ou se um casal divorciado se torna a casar; [como se costuma dizer do que é e não uma notícia interessante: se um cão morde um homem, é banal e sem interesse; mas se um homem morde um cão, é notícia].
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1-2 segunda-feira, 14 de Abril de 2003-[2685 caracteres eu-es-83-diario

ECOS AC 1983 INÉDITOS REPESCADOS EM 1992
21-2-1992
Lisboa,1983

# O MITO DO PROGRESSO
# A PERSPECTIVA SURREAL ABJECCIONISTA PARA COMPREENDER O PAÍS SURREAL-DADAÍSTA


O SURREAL-DADAÍSMO PORTUGUÊS E A DETERIORAÇÃO NAS RELAÇÕES HUMANAS

Ninguém ouve ninguém
Ninguém fala a ninguém
Ninguém dialoga com ninguém
Ninguém confia em ninguém
Ninguém ama ninguém
Ninguém desculpa ninguém
Ninguém é grato a ninguém
Ninguém respeita ninguém

Esta situação é, em Portugal, uma questão prévia às questões ecológicas e eu gostaria de poder provar em que medida as questões do equilíbrio natural têm que ver com o estado de sítio verificado nas relações humanas em Portugal, antes e depois do 25 de Abril.
Assista-se a um plenário ou assembleia
Leiam-se e ouçam-se os noticiários do dia
Atente-se no quotidiano português

[+ AS SITUAÇÕES DO QUOTIDIANO OBSERVÁVEIS]
Aí, no quotidiano e na vida das pessoas - mais do que na política das instituições - é que se situam os pequenos grandes problemas da ecologia Humana.
[autocrítica entre ecologistas]
Os próprios «grandes temas do dia» que é costume dar por atacado ao público, as próprias prioridades que os ecologistas da Europa ou dos Estados Unidos apontam, passam-nos por cima, mas isso não impede que os nossos ecologistas continuem adoptando por procuração os temas prioritários dos outros e esquecendo os nossos.

O COMPLEXO NACIONAL DA CAUDA E O SURREAL ABJECCIONISMO PORTUGUÊS
[a ideologia do progresso afinal não ataca só o tecnocrata mas também os alegados ecologistas que, de um momento para o outro, nos prégam o sermão do progresso e do nosso atraso, subdesenvolvimento, etc...]
Não só o tecnocrata nos compara constantemente com a Europa para nos envergonhar de sermos quem somos e ter o que temos, nossos atrasos e vilezas relativamente ao «progresso» que vai por esse mundo fora de vento em popa. Também os alegados ecologistas estão sempre a comparar o ecologismo que temos com o que se faz [ obra] lá fora. Também aí - concluem eles, progressistas - estamos na cauda. É o nosso complexo nacional da cauda, que tanto nos tipifica.

[A questão, porém, talvez seja outra, se vista de uma perspectiva não oficial, se vista de um ângulo surreal-abjeccionista, que é aquele em que me coloco:] Temos questões específicas, sim, somos um poema dadaista surrealista no contexto das sociedades ditas civilizadas, mas por razões completamente diversas das que, eurocratas e burocratas, nos apontam: o estarmos sempre na cauda. E essas razões, provavelmente, são, antes de mais nada, eles próprios, eurocratas e burocratas. E eco-cratas, depois.
[A tese pessoal e intransmissível, a tese surreal-abjeccionista que eu quero registar aqui é bem diferente das teses do progressismo militante e delirante:]

Falso problema, pois, talvez seja a eterna desculpa de que estamos sempre vinte anos atrasados em relação ao progresso que vai de vento em popa por esse mundo fora. Talvez seja o complexo da cauda. E talvez seja incurável.
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eu-esq-6 

TODOS EXIGEM A LUA

Lisboa, 19/6/1969 - Optimismo, perfeição, ordem aprumo, cumprimento do dever: levo os dias ouvindo estes convites e incitamentos à competência, à infalibilidade, à omnisciência. Todos exigem a lua. Todos pedem rapidez de raciocínio e de reflexos e - principalmente - rigor, exactidão, prontidão de memória. Como as máquinas.

Porto, 16/6/1969 - [ em 19/2/1992 : de repente irrompe em mim o tecnocrata que pelos vistos há em todos nós: e dá este discurso completamente manipulado, mitificado com o mito do desenvolvimento e com a expressão classista/racista que é essa do «subdesenvolvimento»; e embarquei; mas não rasgo esta página, acho que deve ficar a mostrar que não foi e como não foi fácil livrar-me dos mitos da ideologia e do discurso dominante; até onde ainda estarei hoje, sem ter consciência disso, atolado desses mitos? Mas não estaremos sempre?] - A experiência neste trabalho de equipa que tem sido a «Vida Mundial» não me deixou grande optimismo: de facto, não estamos preparados para substituir os nossos hábitos egoístas de acção por uma acção conjunta. Em tudo e nisso também, o nosso subdesenvolvimento se revela. Mas o curioso é que, em comparação connosco, países que suporíamos altamente organizados em matéria de gestão, sofrem críticas idênticas. A França é acusada por J.J.-Servan-Schreiber de ficar colocada, em breve, na cauda do desenvolvimento. Perante isso, que diremos nós de nós, do nosso caso e do nosso subdesenvolvimento?

Lisboa, Setembro/1969 - Não se podia inventar forma mais eficaz de destruir a revista: por dentro e a dinamite. de modo a não ficar nem um bocadinho. Aparece, com efeito, nítido o propósito de começar a destruir a redacção, possivelmente para a substituir por outra. Como um despedimento maciço ou peça a peça criaria talvez problemas de ordem profissional (junto do sindicato, embora não haja sindicalização na revista) preferem-se os despedimentos indirectos: ou seja, amargurar de tal forma a vida das pessoas, que elas se vejam constrangidas a sair. [ isto parece escrito na Travessa do Poço da Cidade - 19/2/1992] .
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Formas de constranger: trabalho em catadupa, divisão e conflito entre os camaradas, pela intriga e pela atribuição a uns de encargos que estavam destinados a outros; a atmosfera de suspeita e tensão; lisonja de una e derrotismo de outros; ordens para redigir notícias que são contra a consciência de cada um; censura apertada a todos os textos escritos, acabando por inibir completamente o redactor; um estado de caos que desoriente as pessoas e lhes faça perder o ritmo de trabalho.
Por profissionalizar a revista entende-se, ao que parece, substituir por profissionais todos os elementos que estão . Temos visto também que a revista agora passa a ser o órgão dos rancores pessoais de duas ou três pessoas. Utiliza-se para servir clientes e não para servir o público: para satisfazer rancores pessoais e não objectivos que sempre o nortearam. O que se pretende é isto: jogar uma cartada decisiva: ou a revista vinga em moldes completamente contrários àqueles em que estava, ou se afunda. E as pessoas que vieram usufruir de um trabalho de dois anos dos pioneiros, parece não se importarem nada com esse afundamento, antes pelo contrário: parece que o desejam e que foram até incumbidos de tal.

7/11/1969 - [19/2/1992 : está aqui uma intuição de EH central - o horror ao desperdício de recursos e valores e méritos humanos, ainda que sob a batuta da inveja ] - Sei os meus limites mas também sei o que sei e posso. O problema não é de valer mais do que os outros que talvez valham menos ou não. O problema é de troca [ ? ] de oportunidades. Tiram-me do que posso fazer menos mal e colocam-me onde outro qualquer podia fazer o que eu faço tão bem como eu ou melhor. O facto é que a «Vida Mundial» começou a suscitar invejas. E quando suscitamos invejas, somos obrigados a reconhecer que temos algum valor, ou mais valor, pelo menos, do que aqueles que nos invejam. Porque só os medíocres invejam. Mas só os medíocres, também, têm força e são em número suficiente para se coligarem e constituirem uma poderosa força. Unem-se, vencem, depois instalam-se onde estavam aqueles que invejavam, ou não os deixam, previamente, ir para lá. Assim é que nesta terra onde tanto há para fazer ainda há tanta gente sem que fazer. Gente que talvez servisse muito melhor em muitos lugares onde estão medíocres -- que por sua vez talvez servissem melhor nos lugares que lhes serviam. Será a inveja uma questão de adequação de lugares? É que eu não acredito [???] que neste País não haja lugares para todos e que seja necessário atirar borda fora com tanta gente que até podia fazer coisas, que até estava a fazer coisas. Não acredito que seja necessário tanto ódio contra o que de pouco e reles se vai fazendo, se vai conseguindo fazer, através de tantas dificuldades, vencendo tantos atritos e tantas resistências, neste pântano que se chama vida portuguesa. Tanta coisa a fazer, neste país, e as pessoas continuam a derrubar-se, a destruir-se, a devorar-se.
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