MY LIFE 1977
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12/4/1977 [ ?]
Iniciação à iniciação
A ENTREVISTA QUE FIZ AO LAMA KUNZANG DORJE
CARTAS DE AFONSO CAUTELA A F.P.D.
F.P.D. : Seguem as primeiras quatro páginas com o material que retirei do gravador. Trabalho bastante bom para mortificar o ego e ganhar o céu. Com a minha dificuldade em perceber o francês, o afastamento em que o Mestre se encontrava do gravador e algumas (muitas) palavras completamente ininteligíveis ao meu nível de ouvido, eis que não é brilhante o primeiro resultado que te apresento para transcrição textual da entrevista com o Mestre. Espero que me ajudarás a decifrar algumas das interrogações, palavras que não consigo de todo perceber quais são. De resto, o trabalho desta obrigação de reproduzir textualmente as declarações do Mestre, vai adiantado e já daria para vários livros. Terei que reduzi-lo, uma espécie de ajuste de contas comigo próprio, meus fantasmas, mitos, erros, enganos, sonhos, ideais, etc.. Escrever este livro é um pouco escrever a súmula, a autocrítica, a confissão de uma (revira) volta e de uma subversão interior há muito chocada em silêncio ou no meio do Barulho. O que me preocupa, portanto, de ter em ordem, é a entrevista com o Mestre. Seguir-se-ão mais algumas páginas, logo que tenhas essas emendadas, devolve. Agradeço também que emendes os erros de francês em que não sou, como calculas, nada forte nem entendido. E não há tempo de consultar o dicionário para tirar algumas dúvidas de ortografia a limpo. De caminho, ajudarás. Até breve.
[Ainda em 1977]
F.P.D. : Como deves lembrar-te, nunca ficou bem definido em que termos seria publicada a entrevista com o Lama. Pela tua primeira sugestão pensei haver, em Bruxelas, deliberada intenção e possibilidade material de a editar mesmo. Em Nyima Zong verifiquei que essa possibilidade estava antes condicionada por uma primeira edição em português. Acontece que, em Portugal, a minha influência junto de editores é nula e nula (por enquanto...) a possibilidade de alguém entender o interesse ou necessidade de publicar tal entrevista. Tentando ler toda esta trama de circunstâncias, será ainda cedo para tal projecto? Será ainda cedo para um centro Nyingma em Lisboa? Será ainda cedo para um ramo da Comunidade em Portugal? Estas e outras perguntas me tenho feito com frequência desde que o Lama esteve em Portugal. Qual o momento exacto das coisas acontecerem? Qual o momento exacto de lançar mãos à obra? Não ponho tanto a questão de sentir ou não necessidade - claro que sim! - de publicar a entrevista com o Lama, de publicar a tradução portuguesa da tua «Celebração dos Tantras», de publicar mesmo o livro que escrevi depois de Nyima Zong, etc. - mas a questão de saber se é o momento disto ou daquilo acontecer. Necessidade de escrever evidentemente que tenho. Como de respirar. E de escrever, agora, polarizado pela Comunidade. Mas a necessidade é a voz do ego... e o que tem a ver a realidade objectiva com os enganos do nosso Ego? Estarão, enfim, reunidas aqui as condições? Para quê? Como sabê-lo? Tateio. A Livraria é um buraco escuro, depois de tantos buracos e esgotos escuros. Sinto-me nela um rato tentando saber de onde vem a Luz. Sei (julgo saber) que vem de um pólo, que esse pólo é Nyima Zong, o Lama, tu, a Comunidade, etc.. As dúvidas, porém, abafam a maior parte das vezes qualquer certeza. A Livraria situa-se bastante ao nível da valeta: e rima com o (meu) crónico estado depressivo. Não sei de outra constante na mutabilidade dos factos: a chatice de aqui estar é essa constante: e talvez por isso viva em pecado mortal. Recapitulando: a tua «Celebração dos Tantras», os teus poemas, a entrevista com o Lama e - já agora! - os «ensaios de aproximação à luz» que são muitos dos meus últimos textos feitos sob a atracção magnética da comunidade, ficam agora no mesmo pé de prioridades. Aguardo, farejo, estou atento, procuro interpretar... É possível que surja uma hipótese de eu próprio virar editor. Escusado dizer-te o que iria (vou) editar nessa altura. Se o destino assim quiser, é como editor que irei a Paris (antes de 19 de Fevereiro...) e contigo elaborar um projecto de edições nossas. Uma colecção para informar da Tradição em Língua Portuguesa. Caso seja isso que o Destino quer...cumprir-se-á. Caso seja isso o que está previsto e predeterminado - cumprir-se-á. Caso não estejamos antepondo os nossos egos à efectiva necessidade do que tem de acontecer - cumprir-se-á. Caso a leitura que neste momento julgo fazer da realidade não seja muito pitosga - cumprir-se-á.
AC
Post scriptum: de concursos literários, nada existe neste momento e da Gulbenkian nem me lembro de algum dia ela ter-se lembrado disso. Caso entretanto haja alguma coisa, evidentemente que te manterei informado. Aliás, se não envio mais informações daqui é porque penso não ser oportuno ensombrar teus dias com as tristezas à beira mar deste país triste, triste. triste...
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