terça-feira, março 12, 2013

RAMON LULL NOS ARQUIVOS AC

Escrito por gatodasletras el 14/07/2005 

ACTUALIDADE DE RAMON LULL

Escrito por gatodasletras el 09/07/2005
A VIDA DE UMA VIDA

Nascido provavelmente em 1232 e provavelmente falecido em 1315, foram, pelo menos, 83 anos de energia invencível, que não deixaram de aborrecer solenemente as autoridades inquisitoriais da época e continuam perturbando os vindouros. A própria Igreja, que o classificou de Doutor Iluminado, em devido tempo e latim, e lhe deu um dia no calendário cristão - 28 de Março - não soube ainda muito bem como digerir este santo e mártir/, que dominou, com a ajuda de Deus ou do Demónio, a ciência da época, criou quase ex-nihilo a língua literária catalã, deixou rastro premonitório nas terras do levante islâmico, foi delapidado por muçulmanos, tentou o primeiro «aggiornamento» entre árabes e cristãos, e permanece ainda hoje tão actual, tão enigmático e tão inviolável a biógrafos como o foi sempre.
Quando se julgava que toda a Europa dormia o sono dos justos, na letargia da passividade, encontrava-se em ebulição este vulcão chamado Ramón Lull e que ainda hoje não está extinto. O tempo «apagado» de obscurantismo católico, que foi a contemporaneidade de Llull, torna-o ainda mais luminoso.

Actualidade de uma vida

Como quem já previa a crise mundial do momento, o livro(*) sobre o cavaleiro e eremita maiorquino é exemplar de oportunidade: o mesmo homem que pregou a vocação universalista do cristianismo e a cruzada para a reconquista das terras santas, o que fez missão de converter os infiéis, ficou - paradoxalmente? - na história como o grande divulgador da cultura muçulmana e introdutor dos estudos árabes no Ocidente. Para isso ele aprendeu a língua árabe, ao que consta com um seu criado desta nacionalidade. Como acentua a autora, «esta é apenas uma das ironias do seu destino paradoxal».
A não luxuosa mas preciosa edição, lançada pela Dom Quixote, vem enriquecida pela tradução da «Vida Coetânea», um dos raros indícios biográficos que existem sobre o Doutor Iluminado. Em 1913, Ramón Lull conta a sua vida, presumivelmente aos amigos da Cartuxa de Vauvert, narrativa que mão anónima redigiu, provavelmente a dele próprio. Uma tábua sincrónica ajuda a balizar, com nomes e datas, a vida sem balizas de Ramón.
O livro de Luísa Costa Gomes é também um incitamento ao estudo do «sistema lulliano», que, sob a designação de «lullismo», conseguiu provocar uma polémica ainda hoje em aberto: por mais longe que se vá no desvendar da personalidade deste enigmático senhor - e poucos terão ido tão longe na ousadia de a «imaginar», como o faz Luísa Costa Gomes - muitos são os escaninhos e meandros que permanecem indecifráveis. Não só pelo número impressionante de obras que deixou, - alguns apontam para quatrocentos títulos - não só pela vastidão de matérias e ciências que abrangeu, mas pelo carácter paradoxal que domina o seu itinerário de «extraterrestre» e «mutante» antes do tempo. Algumas facetas deste homem ficariam sempre por averiguar: em «Vida de Ramón», parece ter sido a personalidade do alquimista, negada posteriormente pela Inquisição, aquela que a autora também preferiu não enfatizar. Mas, curiosamente, era no domínio do «oculto» que o processo seguido por esta biografia «imaginada» poderia operar com maior legitimidade. Não estranhemos, aliás, que ela ou alguém volte a pegar em Ramón, para reimaginar algumas das várias vidas e personalidades que nele parece terem coexistido e que nunca ficarão suficientemente tratadas, por mais que exaustivamente alguém as trate.
Também nesse aspecto, esta é uma «biografia aberta», o primeiro passo de um caminho, o primeiro avanço numa pesquisa, numa estrada que conduz ao infinito. Mérito de Luísa Costa Gomes é ter visto que ao agarrar Ramón era a ponta da meada que agarrava. (AFONSO CAUTELA)
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UM GÉNIO DA ALQUIMIA EUROPEIA:
RAMON LULL E O LULISMO EM PORTUGAL
(FICHA ENCICLOPÉDICA)

RAMON LULL 1( Enciclopédia Verbo) - Missionário e pensador catalão ( Palma de Maiorca, entre 1232 e 1235).
Depois de levar vida mundana, abandonando mulher e filhos, entregou-se ao apostolado.
Desde então a sua vida é um contínuo peregrinar por Barcelona, Montpellier, corte papal, Paris, Génova, Norte de África, Chipre e Palestina, sempre com o mesmo objectivo de dar a conhecer a sua «Ars Magna» e de a pôr ao serviço da conversão de infiéis, em especial judeus e muçulmanos.
Para o fim da vida, o missionário dá lugar ao apologista que fez frente ao crescente averroísmo da Sorbonne.
No meio da sua vida agitada, pôde compor uns 256 livros ( com 27 mil páginas) que reflectem todos os aspectos do saber.
Lull escreveu em árabe, mais frequentemente, em catalão, fazendo com que logo os seus escritos fossem traduzidos para latim.
Se bem que o pensamento de Lull se não exaura com a «Ars Magna», esta obra é a que lhe mereceu maior fama.
Está-lhe subjacente o ideal missionário.
Lull parte da convicção da unidade da verdade , e daí vai à busca de um método para demonstrar as verdades da fé aos infiéis por meio das chamadas «razões necessárias».
Para isso põe em Deus uma série de princípios ou atributos essenciais, como a bondade, a grandeza, a eternidade, o poder, a sabedoria, etc., esforçando-se por relacioná-los com a sua semelhança nas criaturas.
Surge assim uma lógica comparativa, não formal mas material e, por assim dizer, ontológica, na qual o movimento dos conceitos segue o movimento da realidade.
Para facilitar o seu uso, Lull recorre a um sistema de letras, números e figuras geométricas que converte a sua arte num antepassado da lógica simbólica.
Certamente reside aqui - neste esforço para sistematizar e unificar o saber - a raiz da sedução que o pensamento de Lull exerceu na história.
Por isto tudo, Lull foi acusado de racionalismo e a sua doutrina condenada por Gregório XI, em 1376 (se bem que, posteriormente, Martinho V declarasse a bula papal sub-reptícia e nula).
Hoje é bem claro que as razões necessárias de Lull não passam de razões de congruência e que de, modo geral, o seu pensamento se situa no horizonte pré-tomista de Stº Anselmo e dos Victorinos, com o seu optimismo racional, mas também com uma visão agustiniana das relações entre a razão e a fé.
Sublinhe-se que a «Arte» de Lull é, ao mesmo tempo, procedimento lógico e método de contemplação.
Em Lull, o lógico e o polemista andam juntos com o místico.
À inteligência compete abrir o caminho para Deus, logo se retirando para deixar caminho livre ao amor .
O termo da filosofia é a porta para a mística.

RAMON LULL – 2 - Famoso filósofo medieval, poeta, teólogo e missionário maiorquino, chamado Doctor Iluminatissimus, Raimundo Lull foi o primeiro apóstolo do mundo muçulmano , numa época em que o islamismo era ele mesmo fortemente missionário, espalhando-se pelo arquipélago malaio e pela Índia, Geórgia, Egipto e entre os Mongóis , considerando crime de morte a apostasia dos seus.
Nasceu em Palma de Maiorca, circa 1235, de uma família nobre catalã ali estabelecida com extensas terras, desde a reconquista aos árabes.
O jovem Raimundo, casado cedo e trasladado ao continente, onde foi feito senescal na corte de Jaime II, experimentou as agitações de uma aventurosa e dissipada existência; mas em Julho de 1266, à volta dos trinta anos, renunciou subitamente à poesia erótica que cultivava e que o faz ser considerado o fundador da escola catalã de poesia, e à vida mundana que levava, desfez-se da maior parte dos seus cabedais, ficando com o indispensável para sua manutenção e de sua mulher e filhos e entregou-se, não a uma vida contemplativa, que a sua alma ardente e entranhadamente imaginosa não poderia levar, mas à meditação e ao estudo, no desejo de aplicar as suas faculdades na extensão do cristianismo.
Tem-se dito que tomou o hábito franciscano, outros pensam que foi irmão terceiro dessa ordem, mas nada está claramente comprovado a esse respeito, como em tantos outros particulares da sua vida.
O seu grande inimigo, inquisidor de Aragão Nicolau Aymerich, que forjou a célebre bula de S. Gregório para o perder, considera--o um comerciante herege, e denuncia quinhentas proposições suas como heterodoxas.
Em contacto com os sarracenos vizinhos e com os vestígios que eles haveriam deixado nas Baleares, deixou Lúlio medrar em seu espírito o fervoroso desejo de converter os muçulmanos com uma nova cruzada.
Mas esta cruzada, em seu desejo, não era da cruz no punho das espadas mas de uma cruz ideal , de pregação inteligente e perseverante, de lógica e de paciência.
Em vão procurou interessar papas e cardeais e até reis, no seu sonhado empreendimento.
Desacompanhado de todo o auxílio, viajou por fim para Tunes.
Tinha então 56 anos e era esse o ano em que chegava à Europa Ocidental a confrangedora notícia da queda de Acre e do fim do estado cristão da Palestina.
Antes deste decisivo sucesso da sua vida, peregrinara a Santiago de Compostela, cursara e escola de Montpellier, depois dos estudos particulares em Palma e a uma solidão completa se votara por algum tempo, preparando-se para a sua cruzada.
Para conhecer o árabe, comprara um escravo sarraceno com quem estudou durante anos, e que por fim atentou contra a vida do amo.
Dotado de imaginação ardente, quis inventar um método novo de lógica, uma espécie de mecânica filosófica, com o auxílio da qual todos podiam dissertar com subtileza sobre qualquer matéria.
Ele mesmo veio a dar solução a quatro mil problemas postos, por meio do seu método, chamado « Ars Generalis Sive Magna», porventura a sua obra mais divulgada.
Como os árabes tinham tido o primado da ciência e da filosofia mediterrânicas, ele entendia que era com um cristianismo racional que poderia conquistá-los.
Estudou Averrois para o combater, sempre com um alvo missionário.
A chamada «doutrina lulliana», tendente a demonstrar pelo raciocínio a verdade dos dogmas cristãos, veio a ser renovada trezentos anos depois por Giordano Bruno.
Foi por meio de incríveis esforços que Lúlio conseguiu difundir na Europa a sua doutrina da fé provada, e se é certo que veio a ser publicamente ensinada em 1298, graças ao patrocínio de Jaime II e Filipe o Belo, contudo não foi apreciada devidamente durante três séculos.
As vistas do filósofo estavam demasiadamente acima do tempo em que viveu e não poderia provocar mais do que uma vã e fútil admiração.
Em Tunes conseguiu convencer alguns islamitas reputados e muitos outros do povo, que receberam o baptismo cristão; mas um zeloso imame aconselhou às autoridades o seu encarceramento e morte, em razão do perigo que ele representava.
Depois de algum tempo, foi-lhe comutada a pena de morte na de banimento.
Não lhe sofreu o ânimo os seus conversos, e voltou de novo a Tunes, mas a 30-6-1315, em Bugia, na Argélia, morreu apedrejado.
Figura desconcertante, assim o consideram alguns críticos, e assim serão forçados a considerá-lo os leitores das numerosas biografias e críticas que lhe têm sido feitas.
Auxiliarão, contudo, no dédalo das considerações a fazer, estes dois factos: que são considerados espúrios, com forte motivo, os trabalhos de alquimia e de cabala que lhe foram atribuídos e estão coleccionados com as suas obras; e que as ideias de Pedro Venerabilis (morto em 1157), advogadas por Lúlio e adoptadas pela primeira vez por ele na missão prática, o levaram e especializar-se não só na língua como no pensamento árabe, o que não se poderia dar sem alguma influência verificada desse pensamento na sua obra.
«Charlatão vádio» lhe chamou Bacon com extremo rigor e injustiça.
Mesmo que haja juntado as ciências ocultas, a cabala, a magia, a alquimia aos seus estudos sérios, ainda se poderá perguntar a que título e como as estudou.
A Igreja de Roma tem oscilado entre condená-lo como heterodoxo e honrá-lo como mártir , não podendo desdenhar o testemunho, que a história lhe dá, de precursor das missões modernas.
O Dr. Joaquim de Carvalho reconhece uma rápida influência de Lúlio no « Leal Conselheiro» de D. Duarte.
O escultor catalão João Samsó erigiu-lhe uma estátua cheia de nobreza e as suas cinzas, recolhidas em Bugia e transportadas, repousam num sarcófago historiado na sua cidade natal.
As suas obras foram publicadas em Mogúncia, em dez volumes, de 1722 a 42.
Por meio da alquimia, Lúlio preparou, pela primeira vez, o álcool anidro, o carbonato de potássio a partir do creme de tártaro, descreveu a água régia, etc.

LULISMO - É assim designado, não tanto o projecto de Raimundo Lull relativo a uma ciência universal - que interessou pensadores da craveira de Nicolau de Cusa, Pico, Bruno, Descartes, Bacon, Gassendi e Leibniz - mas o germe de uma «escola» que , logo após a morte de Raimundo Lull, lançou raízes em Valência, Barcelona e Maiorca, de onde irradiou para Castela, Portugal e Itália.
Pedro Dagui é a figura central deste Lulismo catalão pré-renascentista.
Simultaneamente surge em Paris, em redor do fundo ms. legado por Lull à Cartuxa de Vauvert e dirigido por T. Le Myésier, um pequeno núcleo lulista.
Com este se virá a relacionar, provavelmente através do flamengo H. de Campo, o Lulismo de Nicolau de Cusa.
Em pleno renascimento, Lefèbvre d´Étape dá nova vida, em Paris, ao Lulismo de carácter religioso e místico, ao passo que na Alemanha, A. de Nettesheim e Paracelso cultivam o Lulismo, respectivamente, lógico-enciclopédico e médico-alquimista.
Na confluência deste Lulismo europeu renascentista surge o Lulismo de Giordano Bruno e, posteriormente, o do humanista protestante alemão J.E. Alsted.
Entretanto, em Espanha, sob a protecção de Cisneros e Filipe II, a escola lulista tinha-se difundido com fortes raízes.
Surgem cátedras lulistas em várias universidades, principalmente em Maiorca.
N. de Pachs, J. L. Vileta e F. Marzal são os mestres mais influentes na época. À margem da actividade escolar, o Lulismo influi em figuras que rodeiam Filipe II, como P. de Guevara e J. de Herrera.
No século XVII, os jesuítas S. Izquierdo e A. Kirchner reelaboram um Lulismo em sentido enciclopédico.
Em ambos se inspirará a «Dissertatio Art Combinatória» de Leibnitz.
Ainda no século XVIII se encontram duas notáveis aflorações de Lulismo, uma em Mogúncia, graças a J. Salsinger, autor de uma edição monumental das obras de Lull, e outra em Maiorca, com figuras como o jesuíta J. Costurer e, sobretudo, o cistercience A. R. Pascual.
A par do Lulismo autêntico, encontra-se um Lulismo espúrio, centrado no «Testamentum» e noutros escritos pseudo-lulianos de alquimia, e até uma corrente antilulista, cujos primeiros e principais representantes são, na Catalunha, o inquisidor N. Eymerich, e , em Paris, o chanceler Gerson. Desde o fim do século XIX renasceu, em Espanha e fora dela, o estudo de Raimundo Lull, mas agora ao nível da história, sem pretender construir uma corrente de pensamento.

LULISMO EM PORTUGAL - Foi persistente a influência do Lulismo em Portugal, atingindo mesmo certa irradiação (séculos XV-XVI), desenvolvendo-se a produção literária, de valor desigual, em três direcções ou tendências (seguindo a classificação proposta por Carreras Artau):
A) Polémico-racionalista, de que ficaram numerosos testemunhos da disputa religiosa de cristãos contra judeus e muçulmanos, sendo obra capital o «Livro da Corte Enperial» (século XV), tendo Lúlio servido não só de inspiração quanto à temática e finalidade apologética como ainda no directo aproveitamento textual( Cruz Pontes).
B) Lógico-enciclopedista, atestada por vastas compilações, em códices medievais pertencentes às bibliotecas monásticas de Sta Cruz de Coimbra e de Sta Maria de Alcobaça.
Denotando persistência de preocupações lulianas até ao século seguinte, ficou-nos o incunábulo gótico «Ars inventiva veritatis cum Commento»(Valência,1555).
Em 1431, documenta-se a presença em Lisboa de um Mestre Adrião, que ensinava porventura em escola privada, a arte luliana: e será a esses sequazes de Lúlio que D. Duarte, no «Leal Conselheiro» alude, censurando neles a intenção demonstrativa nas matérias do Dogma, pela sua racionalização, muito embora, no domínio da Moral, o monarca cite como autoridade e aceite, em vários passos da obra, teses lulistas.
Registam-se ainda influências lulistas, mais ou menos esparsas, em outra obras da época, como a «Virtuosa Bemfeitoria» e o « Bosque Deleitoso».
C) Mística,feição que tem levado a atribuir papel relevante à formação da mundividência colectiva portuguesa, e que explica, senão contribuiu, para originar a Expansão.
Segundo um dos mais destacados defensores desta tese, Jaime Cortesão, os franciscanos teriam sido «os principais criadores da mística dos descobrimentos» e, por sua vez , como intérprete dos ideis seráficos, Lull é considerado « o tipo porventura mais perfeito do tipo de proselitismo franciscano».
Com efeito, o Maiorquino defendeu o apostolado missionário com vista à conversão dos gentios, e daí a apologia do estudo das línguas orientais, sobretudo do árabe, a conquista dos estados muçulmanos desde Ceuta até ao Levante , chegando a sugerir, segundo Beazley, o plano, de circum-navegar a África para alcançar a Índia.
Sob este aspecto, as preocupações da época pela cartografia, astrologia, astronomia e náutica levavam a descobrir novos motivos de interesse no «opus»luliano, ou em escritos apócrifos (pseudo-lulismo)de carácter esotérico e cabalístico.
No Renascimento, o Lulismo traduz-se na terminologia e na feição de teologia racionalizante de algumas obras portuguesas, denotando por vezes a nova ambiência pré-reformista, como no caso de Gil Vicente( A.J. Saraiva)ou, com matizes humanistas, na «Ropica Pnefma» de João de Barros.
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O nome de Ramon Lull aparece citado em textos AC, nos seguintes files word:

lull>
lulio>
Alojados na pasta com o código -LS (Leituras Selectas)



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