sexta-feira, fevereiro 20, 2009

ECO-IDEIAS 1970

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29-4-2000

A CHAMADA «LUTA BIOLÓGICA»:
MAIS UM EQUÍVOCO?

Palavras-chave para pesquisa na Internet:
adubos
agricultura biológica
agricultura química
aves
Bayer
biocidas
biocídio
Comissão Internacional de Luta Biológica (1956)
DDT
desequilíbrios biológicos
ecologia dos solos
F.A.O.
fitopatologia
fungos
insectos
luta biológica
mamíferos
parasitas
pesticidas
poluição química dos solos
produtos de síntese
pulverizações
Rodolia Cardinalis (Joaninha)
saúde pública
tratamentos fitosanitários

A fitopatologia que se ensina nas escolas superiores é mais semelhante a uma indústria de guerra do que a uma arte de paz.
Os técnicos agrários, não contentes em ter transformado a agricultura numa tecnologia mecânica, fizeram dela, de há um século para cá, uma indústria de guerra perpétua.
A corrida para a destruição em que adubos e pesticidas meteram a agricultura parece não ter saída nem alternativa dentro do sistema cultural vigente. Dentro das vigentes ideologias do desenvolvimento e do crescimento económico indefinido. Os técnicos agrários da ideologia F.A.O. só vislumbram a guerra cada vez mais encarniçada, só a destruição cada vez mais raivosa, só a violência cada vez mais in extremis.
Mas como a destruição engendra destruição e a violência engendra violência, eis que o beco sem saída da agricultura transformada em «indústria pesada» se oferece aos olhos esbugalhados de agrários e técnicos como o panorama do fim do mundo, do fim da Terra.
Em desespero de causa, vem o técnico mais ardiloso e descobre, no laboratório, aquilo que se quer dar como alternativa para os pesticidas e a luta química em geral : vem o técnico e descobre a «luta biológica». Reconhecendo que a guerra química está perdida, reconhecendo que não é possível continuar queimando as terras e, ao mesmo tempo, exigindo delas alimento (absurdo que só os autênticos paranóicos continuam defendendo), vem um fitopatologista mais esperto e «descobre» a «luta biológica». Não desiste da palavra «luta» mas agrada-lhe a palavra biológica», já hoje mágica, à medida que a escalada biocida prossegue.
Mas a chamada «luta biológica» (alternativa reformista dentro do sistema e não uma alternativa  para fora do sistema ecocida), temos de novo a asneira tecnocrática em campo, a desmedida megalomania do biotécnico supondo que pode pôr e dispor da Natureza a seu belo prazer, que pode pôr ordem nas coisas naturais, que pode sobrepor-se à ordem do Universo, dominar, esmagar, tripudiar, etc., como sempre tem vindo a fazer, com grande orgulho...científico.
É bom que o militante ecológico medite no discurso dos da «luta biológica» que,em desespero de causa, reagem vendo perdida a guerra que a hecatombe química trava nos solos mas não querendo desistir da sua supremacia e domínio sobre a Natureza.
Os textos são colhidos ao acaso das leituras e constituem apenas um primeiro apoio ao estudioso das alternativas ecológicas para a agricultura. É bom que se analise e discuta a ideologia que preside à destruição ecológica dos solos.
Talvez assim, conhecendo o discurso e a ideologia, o discurso da ideologia, se possa reconstruir a ideologia criadora da Idade Solar que, entre partos e prantos, se aproxima para a próxima e venturosa geração que terá a felicidade de a viver.
Comecemos com um texto lido há anos num jornal de Moçambique - Notícias da Beira - e que, no seu anonimato, dá a nota do que pode ser um discurso oficial da FAO sobre o assunto, nomeadamente para consumo no Terceiro Mundo.
Transcrevemos:
«A luta biológica consiste em destruir os seres nocivos, utilizando, para isso, os seus inimigos naturais.
«O agricultor, na luta contra os inimigos das culturas, dispõe de numerosos auxiliares - insectos, aves, mamíferos, etc. - e para evitar a sua desaparição é preciso: protegê-los e facilitar a sua reprodução.
«A partir de 1945, ano em que os novos produtos de síntese fizeram a sua aparição, o emprego maciço e inconsiderado destes foi, em muitos casos, responsável por desequilíbrios biológicos ; assim, admite-se que o uso generalizado de especialidades comercias à base de DDT em pomares de macieira, tenha favorecido a multiplicação do aranhiço vermelho.
«Os agricultores, devido à virulência, quase espontânea, de parasitas que antigamente não exigiam tratamentos particulares, encontram-se agora perante o problema, frequente, de necessitarem de efectuar novas e dispendiosas pulverizações ou polvilhações; deve-se procurar empregar, para evitar estes inconvenientes, produtos específicos capazes de destruir o parasitas, respeitando o equilíbrio biológico .
«No caso contrário, no entanto, poderá dar-se a ruptura desse equilíbrio, facilitando a população de novos parasitas e tornando necessário aumentar o número de tratamentos ; cai-se, assim, num círculo vicioso e, para o evitar, recomenda-se:
alternar os produtos activos
evitar as misturas complexas e de acção duvidosa
e evitar os tratamentos excessivamente intensos e pouco intervalados .
«O interesse da luta biológica chamou desde há muito a atenção dos serviços de investigação agronómica .
Em 1956 foi criada uma Comissão Internacional de Luta Biológica para permitir aos investigadores confrontar pontos de vista e coordenar a orientação dos trabalhos.
É frequente que a introdução acidental num país de um parasita originário do estrangeiro se faça com virulência muito inferior à observada no país de origem; houve, portanto, ruptura do equilíbrio biológico.
«Os investigadores, neste caso, procuram:
descobrir o insecto entomógrafo capaz de destruir o parasita no país de origem
introduzi-lo
e permitir a sua alimentação e estimular a sua dispersão.
«Um dos exemplos mais conhecidos é o da cochonilha australiana, cujo inimigo mais activo na Austrália é uma joaninha, a Rodolia Cardinalis; a disseminação e dispersão deste insecto na região mediterrânica é perfeita.
«Um himenóptero, o Alphelinus mali, foi importado da América do Norte com resultados satisfatórios no combate ao pulgão lanígero.
«O emprego dos meios naturais pode, em suma, resumir-se da seguinte forma:
utilização máxima dos entomófagos no seu habitat original e introdução e aclimatação, seguida de dispersão, de depredadores de origem estrangeira.
«Pode afirmar-se, em conclusão, que a luta biológica apresenta um interesse primordial, pois permite efectuar economicamente a protecção das plantas cultivadas, limitando, em certa medida, a aplicação de tratamentos dispendiosos.»

Por seu turno, o boletim da Bayer, perguntava um dia se a luta biológica apresentará perigos para a saúde pública. Parece recear efectivamente a concorrência e que a luta biológica não está inocente , como comprova o texto que a seguir se transcreve :

«Pode recorrer-se à «luta biológica» sem se pensar nos perigos daí decorrentes para o homem e animais de sangue quente? - pergunta, inquieta a Bayer, que acrescenta: « A pergunta tem a sua razão de ser, mesmo para este processo em que não entra um grama de qualquer produto químico, mas em que se lançam insectos contra insectos, fungos contra insectos, bactérias contra insectos, etc.
«O fungo Entomophthora coronata, aplicado na Califórnia contra um piolho da luzerna, mostra-se tão perigoso contra estes insectos como, provavelmente, como origem de infecções, contra o homem.
«De facto, os animais de um laboratório experimental em que se aplicou este fungo, mostraram uma série de sintomas graves.
«Também o fungo Beauveria bassiana, uma espécie muito usada em luta biológica,originou agora, nos próprios seres humanos, dores de cabeça, fadiga, febre, dores nas articulações, etc.
«Em ensaios toxicológicos conduzidos com ratos de laboratório, a junção de doses altas dos esporos do fungo à ração, durante alguma semanas, originou diarreias, perda de peso a até casos mortais.
Um caso extremo de «acção secundária deste fungo , dar-se-ia quando, ao lidar com ele, ocorresse uma «explosão» do pó de esporos.»
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quarta-feira, 11 de Dezembro de 2002

EVOLUÇÃO E MUTAÇÃO DO CRITÉRIO CRÍTICO (*)

29/Abril/1970 - A experiência é conhecida e alguns a terão descrito já.
Quando um dia contactamos uma obra, um autor e sentimos que, a partir dele, tudo ou quase tudo se modificou na nossa óptica, na nossa estrutura mental, na nossa sensibilidade, no nosso critério, na nossa mentalidade ou maneira de ver as coisas ou mundividências, dá-se o que alguns podem considerar súbita iluminação e outros conversão (quase) mística. Trata-se, pelo menos, de uma mutação.
Por essa experiência se explica que o nosso gosto evolua: o que ontem nos parecia bom, hoje aparece-nos medíocre. Ou o que ontem dificilmente aceitávamos, hoje banalizou-se. Passa-se com a arte - em especial com a música -, passa-se com a poesia e a literatura, com as ideias, com as modas e com tudo o que depende mais da intuição ou da imaginação do que do raciocínio e da razão. O nosso gosto evolui mais do que a nossa inteligência. Informações esquecem-se, mas experiências marcam-nos, vão-nos marcando e fazendo com que a nossa personalidade de hoje já não seja a mesma de amanhã.
Este gosto, desejo e necessidade de mudar, de evoluir, de melhorar ou modernizar a nossa óptica (a nossa sensibilidade), sentimos que é um facto sempre que se nos revela um novo autor ou uma nova obra de quem afirmamos: "Depois dele, o dilúvio." Ao pé dele, muita coisa empalidece e envelhece.
É isso o que um contacto de dias com os textos e autores da Prospectiva nos dá: a sensação de que muita coisa ficou, irremediavelmente, ultrapassada e morta. De que outro agora é o nosso ponto de arranque e o nosso critério de ajuizar sobre um filme, um livro, um quadro, e muito diferente a terminologia que passamos a aceitar.
Prospectiva é, no fundo, o que sempre acontece quando nos acontece mudar , sofrer a experiência de uma nova fase da existência.
Prospectiva é o que acelera e torna possíveis as mutações do nosso espírito, o princípio geral que não deixa envelhecer o espírito e morrer intelectualmente,
No fundo, Prospectiva é o que procuramos quando procuramos em que consiste a Modernidade, o Progresso, a Civilização, a Revolução, o Avanço, o Movimento, a Humanização do Homem. A Liberdade.
Descontentes com as filosofias de ontem, que tão rapidamente passam a filosofias de ante-ontem, atravessamos as de hoje - dadaísmo, surrealismo, existencialismo, persona-lismo, estruturalismo, marxismo, realismo fantástico - e es-sas outras sempre acabam por não ser suficientes, ou por en-velhecerem também.
Aos que procuram respostas nos sistemas filosóficos, nas escolas e correntes estéticas, a Prospectiva propõe a ultrapassagem contínua, porque a filosofia de amanhã será, com certeza, todas essas mas não será nenhuma delas. Porque o tempo - movimento e mudança - é o princípio que torna o presente já passado e o futuro a única coisa sempre presente.
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(*) Este texto de Afonso Cautela deverá ter permanecido inédito, pois mais também não merecia. Estes anos 69,70 e 71, a contas com uma coisa inexistente – a Prospectiva -, foram de grande confusão na minha cabeça! O princípio da relatividade de tudo andava por perto...
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terça-feira, 10 de Dezembro de 2002-scan

A PROSPECTIVA E O CAOS DAS TEORIAS

2-5-1970 - Prospectiva não é ficção (política, história ou ciência-ficção), não é antevisão, hoje, com o auxilio da fantasia mais ou menos delirante e de computadores mais menos electrónicos, do que irá passar-se amanhã, e de como viveremos.
Prospectiva não é, tão pouco, Futurologia.
Prospectiva é uma atitude de espírito que consiste em nos colocarmos num ponto exterior ao presente - um ponto no espaço e no tempo - de modo a vermos esse presente perspectivado, devidamente perspectivado.
Por exemplo: um indígena australiano que olhasse os costumes ocidentais - se lhe fosse dada essa experiência - estaria situado num ponto prospectivo.
O próprio europeu de hoje que lance um olhar para os costumes da Inquisição - digamos, a exemplo - verificará a que distância se encontra desses rituais e situa-se, portanto, num ponto prospectivo de observação.
O mesmo em relação à sociedade actual: conseguir em relação a ela um distanciamento - no espaço e no tempo - que permita perspectivar uma auto-crítica, é posição prospectiva.
Muitos, não há dúvida, são os aspectos deste mundo em que já é possível imaginar o que vai ser um juízo dos homens de um futuro próximo. Quanto mais segura, mais nítida e mais profunda for essa perspectivação, mais prospectiva será a atitude de espírito que a promove.
Supunhamos, por exemplo, o que irá pensar daqui a 10 anos um homem que reveja a maioria dos filmes americanos produzidos hoje; e que leia os nossos jornais; e que se espante com as polémicas entre ismos ou teorias.
"Como era possível" - dirá o homem do futuro e o que é já hoje contemporâneo do futuro - "que eles, perante, por exemplo, o mesmo filme, manifestassem opiniões tão opostas?"
"Como é possível que não houvesse ainda meios de medir matematicamente o mérito de uma obra - filme, livro, peça, romance, poesia - e tal medição, feita com palavras destituídas de rigor e mergulhadas na mais crassa subjectividade, desse motivo a tão odiosos conflitos de pessoas?"
Na verdade, um dos costumes da cultura actual que mais irá ferir a sensibilidade do homem futuro é esse da crítica, que ao homem prospectivo de hoje aparece já como um instrumento vão de análise e medida, um instrumento imperfeito e indigno da nossa época de tecnologia ultra-aperfeiçoada, de pretensos rigorismos, de cientifismo enfatuado.
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sexta-feira, 14 de Junho de 2002
6353 caracteres vitrac-literatu-manifest-rascunhos

intuições ac -  para um manifesto literário da modernidade - radicalizar a perspectiva para uma teoria sem dogma da crítica literária para uma ciência dialéctica ou não dogmática da criação literária

A LEI DA RELATIVIDADE EM LITERATURA

2/Maio/1970 - Em «Vítor ou as Crianças no Poder», Roger Vitrac explora uma situação que viria a fazer lei em toda a sensibilidade moderna. Talvez sem se dar por isso, Vitrac utiliza ardilosamente um estratagema que viria a estar na origem de muita vanguarda literária, de que é expoente máximo a obra inalienável, indivisível (toda a obra) de Samuel Beckett: um posto de observação inédito para o autor, ou para a personagem que na história, no poema, na obra, é o alter ego do autor.
No caso de «Vítor ou as Crianças no Poder», esse posto de observação é o da experiência infantil, em oposição à dos adultos; mas outros postos de observação seriam descobertos: a experiência do louco, do toxicodependente, do doente profundo, do «out-sider», o do chamado «selvagem» [--->>]
Se não foi descoberta e teorizada pelos surrealistas, esta lei da relatividade -- princípio diabólico por excelência -- foi, pelo menos, largamente praticada por autores surrealistas, (entretanto rotulados por André Breton sob a etiqueta prática de «humor negro» ou «non sense») que conferiram ao conceito «experiência em literatura» uma latitude e complexidade até então desconhecida.

DESARMONIA DOS CONTRÁRIOS

Quer se trate de uma idade contra outra idade (a criança contra o adulto, no exemplo de Roger Vitrac), de um grupo contra outro grupo (o colonizado contra o colonizador, o negro contra o branco, o judeu contra o nazi, o aluno contra o professor), de uma classe contra outra classe (o proletário contra o pequeno-burguês), de uma vivência contra outra vivência (o doente contra o sadio, o anormal contra o normal, o «out-sider» contra o instalado, o drogado contra o imune, o celibatário contra o casado, o infractor contra o legal, o criminoso contra o polícia, a mulher contra o homem...), uma conclusão provisória, na busca de uma lei geral, pode ser enunciada: a Modernidade (ou Prospectiva) em literatura, vem quase sempre aliada à ideia de uma resistência às normas estipuladas, aos valores hierarquicamente impostos, às autoridades executivas, à ordem reinante, instalada e considerada até aí -- até surgir o texto -- imutável, indiscutível.
A Modernidade -- a existir -- vem sempre ligada a uma estética do Obsceno, quer dizer, uma quebra de regras e tabus e antinomias e rótulos e classificações.
Na melhor das hipóteses, Modernidade é uma literatura de marginados, excluídos, segregados pelos «status quo» vigentes.
A esta luz, o fantástico em literatura aparece apenas como um posto mais diferente de observação.
Entre os postos de observação «diferentes» que se tornaram clássicos na chamada literatura de ficção científica, está o de ver a Terra do Planeta Marte, o que, em princípio, gera uma «perspectiva de escala» obviamente interessante e poética.
«Vítor ou as Crianças no Poder» não será um dos mais frisantes nem dos mais conscientes, mas é exemplo significativo de modernidade ou prospectiva literaria; um claro exemplo de como também o humor resulta de uma alteração de perspectiva epistemológica e de novos postos de observação da realidade, de novas ópticas além das convencionais; um exemplo, pois, de que o humor não é uma evasão, denegação ou sonegação do real mas a descoberta nele de insólitos, inéditos ou originais e mais profundos aspectos.
A revolução, modernidade ou prospectiva literária tem em Roger Vitrac um cultor brilhante, porque ele conhecia, ao menos de intuição, os mecanismos que estabelecem a desordem e denunciam, portanto, determinada ordem estabelecida, seus crimes e suas contradições.
Quando se procura uma nova literatura -- uma literatura prospectiva[?????] -- é fundamental esta questão das ópticas possíveis. Dela é corolário o sentido da relatividade que vem substituir o do absolutismo. A nova literatura é dialéctica, por oposição aos monolitismos dogmáticos, aos sistemas metafísicos, imutáveis e inamovíveis. É contra a imutabilidade dos dogmas (a ciência, incluindo a ciência literária, instituiu-se, como se sabe, em Dogma maior da religião contemporânea). É pela mudança, pelo movimento, pela INSTABILIDADE ([????].
Se aqui fica assinalado o caminho para uma lei geral da literatura e da criação, uma semântica do imaginário humano, então acredito que a Estética do Obsceno seja o campo certo da criação poética florescer, o método eficaz de não criar dogmas a partir de teorias, de fazer caminhar e encaminhar para a ciência (dialéctica) a análise crítica ou análise crítica literária.
A literatura de novas ópticas é subversiva no sentido em que vem afirmar haver mais mundos e mais «marias na terra», dando a palavra aos que até agora a não tinham, ao Terceiro, Quarto e Quinto Mundo dos indivíduos e dos povos: os deserdados, os heréticos, os marginados, os humilhados e ofendidos, os excluídos, os eternamente vencidos, aquelas a quem a própria condição de «submundo» lança sobre eles designações geralmente pejorativas, rótulos ou etiquetas que a medicina, a sociologia, a psiquiatria, a política (em suma as autoridades possidentes) se encarregam de inventar: criança, toxicodependente, louco, doente profundo, anormal, out-sider, anarco-libertário, homossexual, negro, colonizado, presidiário, interno dos hospitais, ------>>>>>>>>
A perspectiva de escala em literatura é a descolonização em sentido lato, é o Terceiro Mundo da Literatura.
--temos, em resumo, a propósito de Roger Vitrac e do calão (os dois últimos textos a serem teclados para esta manifesto aberto), algumas noções básicas -- a sublinhar eventualmente nesses textos -- ao desvendar os mecanismos e dispositivos que regem a imaginação criadora de ontem, de hoje, de sempre:
relatividade
estética do obsceno
resistência de minorias
descolonização
novas ópticas
epistemologias múltiplas
mudança
ciência dialéctica versus ciência dogmática
terceiro mundo dos marginados
lumpen-prolariat
calão
underground
bas-fonds da sociedade
pop-literatura
alter-ego
autosider
non-sense
humor negro
status quo
establishment
descolonização literária
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1-3. 73-04-12-ie- quarta-feira, 4 de Dezembro de 2002-scan

A CONSCIÊNCIA ORIGINAL DA UNIDADE PERDIDA (*)

["Diário do Alentejo", 12/Abril/1973] - Que o mundo seja, todo ele e em matéria de lucidez crítica, um deserto, enfim: a gente já conhece, já não liga e passa.
Mas que as minorias, os raríssimos nos quais reside afinal a nossa derradeira esperança de homens ainda humanos, se passem, inopinadamente, para o campo da Abjecção, eis o maior e inominável desespero. Eis o maior motivo de pessimismo. Se as minorias são o sal da Terra, então só nos poetas, nos raros artistas e escritores e em alguns filósofos que tenham ainda um pouco de profetas residiria a nossa única e última esperança.
No meio do fanatismo das ideologias, no meio do obscurantismo que se desculpa de causa política, no meio da estupidez que se vangloria de "combater" tudo quanto seja vivo, se subsiste ainda um resto de esperança seria apenas para acreditar nos poucos e raros e últimos poetas que haja neste tempo e mundo.
Quer dizer: nos últimos que teimam em resistir, em manter a imagem do homem, o rosto humano do homem. "Liberté, couleur d'homme" (André Breton)

CONSCIÊNCIA OU PERSPECTIVA ECOLÓGICA

Ora a condição sine que non desse "rosto humano" e desse rosto vivo da vida, é a consciência ou perspectiva ecológica. É a noção intuitiva e consciente, calma mas exaltante, de que habitamos todos o mesmo planeta e o mesmo universo, de que tão importante é o homem na sua cama, na sua casa, na sua oficina de trabalho, na rua e no seu lugar de ócio, como o sol na sua rota cósmica, a árvore na floresta, o peixe no rio, a ave no céu.
Tão importante é a dor humana como a da ave ou da planta e tão importante o direito à subsistência material como o direito aos imponderáveis afectivos, imaginativos, artísticos, que qualificam a existência.
Poeta, é o que mantém, ainda, apesar de tudo e contra todos, essa consciência original da unidade perdida, o que teima em religar, pela palavra simbólica, esses elementos da mesma unidade e do mesmo esplendor cósmico que uma civilização atomizante, homicida, pulverizou e dilacerou.
Poeta, seria o que ainda não se deixou vencer pelas mitologias estúpidas, pelos alibis, pelos slogans do especialismo, do cientifismo, do tecnicismo, do divisionismo estéril e criminoso (criminoso porque estéril), estes sim, os principais mecanismos ao serviço de todas as ideologias no processo de aviltamento humano e de abjecção.
Ora a forma de colaboracionismo com a Abjecção hoje mais directa é destituir a consciência ecológica do seu lugar prioritário em relação a tudo o que se passa sobre o planeta terráqueo (só há uma maneira de se destituir a ecologia dessa prioridade: é mudar de planeta).
Porque ela (consciência ecológica) unifica onde os outros dividem, pesa e dignifica onde os outros segregam e degradam, porque ela defende a vida onde os outros atulham de química, porque ela respeita a criação onde os outros perpetram sistemático biocídio, porque ela sustenta o amor e a liberdade onde os outros, por um prato de lentilhas, se vendem à escravidão do consumismo e à histeria das violências paternalistas (incluindo a violência das cirurgias, das vacinas ou de outras a quem ninguém alude - porquê?).
Precisamente porque não é a vida de um só homem que me preocupa, mas a vida de todos os homens (incluindo os que morrem na Indochina com desfolhantes) é que me preocupa um metro quadrado de floresta e vice-versa. Porque me preocupa saber, por exemplo, se cada folha de papel em branco que é gasta (que eu gasto) a aproveitei no verdadeiro sentido ou se andei também a desperdiçar, com ela, floresta.
E preocupa-me saber isso, não só pela tal razão do ecossistema (todas as formas de vida são interdependentes, não sou eu que o digo, mas os cientistas); não só pela razão do ecossistema, que é razão mais que suficiente, mas porque só a consciência do Ecocídio é hoje consciência humana do homem, simultaneamente (pre) ocupada a nível universal e a nível individual.

POLUENTES E ANTI-POLUENTES

Quando falo de consciência ecológica (a tal que o “slogan" da palavra "poluição" tenta reduzir demagogicamente e também a um dilemazinho caseiro entre poluentes e anti-poluentes, a um problema portanto doméstico de lixo que se produz e de lixo que logo a seguir se varre, indo todos p’ra casa satisfeitos) penso em todos os homens que morrem porque o ambiente inumano os assassina, a curto ou longo prazo: ambiente que é a casa, a rua, a oficina, a cidade, o país, a cultura, a ideologia, o partido, todos os círculos concêntricos de que o indivíduo é o centro e dentro dos quais está inserido, envolvido e de que fatalmente é função.
Quando falo de meio inumano penso, por exemplo, num dos múltiplos capítulos que os palradores da "poluição" sistemática e cautelosamente omitem: as doenças de ambiente, que são quase todas, quer as congénitas como o mongolismo, quer as infecto-contagiosas como a tuberculose, quer as endémicas como o paludismo e a cólera, quer as degenerativas como o cancro e as cardíacas, quer as traumáticas como os acidentes de viação e os acidentes de trabalho, quer as tóxicas como... a toxicomania, etc etc.
A causa das causas é sempre de ambiente; os homens sofrem, porque o ambiente os faz sofrer, porque lhes cria carências - desde a fome ao afecto - , porque os aliena, porque os traumatiza, porque os violenta, porque os intoxica, porque os adoece, porque os tiraniza, porque os escraviza, porque centenas de anos de pseudo-civilização em vez de pura e simplesmente lhes humanizar o ambiente natural apenas lho degradou, sem, em troca, lhes dar um ambiente artificial mas humano.

ATENÇÃO SIMULTÂNEA AO TODO UNIVERSAL E AO LOCAL

O que a consciência ecológica permite (e só ela, especìficamente, permite) é a justa hierarquia de todos os seres viventes e da sua relacionação, sem segregações, sem racismos, sem favoritismos, sem padrões ou cânones paterna listas. Só a consciência ecológica é uma interconjugação de criaturas, é uma atenção simultânea ao todo universal e ao local, ao regional, ao individual.
Para amar a pessoa humana não tenho que desprezar a árvore, e simultaneamente, como nos quer fazer crer a odiosa ideologia que preside à Engrenagem de esmagamento e em que essa Engrenagem traduz todo o seu ódio à pessoa humana (como diariamente comprovará, quem lê jornais ou vê TV, sem necessitar que lho esteja aqui a comprovar), e em que essa Engrenagem induz até os melhores, até os mais sensíveis e dotados, os raros (antes) a manterem o sentido da unidade, da simultaneidade, da vida, dentro e contra a Engrenagem maciçamente homicida.

Má fé é acusar a Ecologia de preferir a árvore ao homem, quando a Ecologia é o esforço sobrehumano de resistência à vaga homicida que precisamente pretende sobrepor (e com que sanha, Deus nosso) ao homem e à árvore (aos seres vivos no seu conjunto) o objecto, o inerte, o inorgânico o químico, o material, o mecânico, o motorizado, enfim, toda a quinquilharia electro-doméstica, mecânico-tecnicista e burocrática que destitui, ofende, traumatiza, degrada, adoece e mata, e mata, e mata a vida (seja a de um homem seja a de uma ave, seja a de um planeta, já aconteceu à Lua, a tal dos poetas e românticos...).
Este o dilema e não, e nunca homem contra árvore.

PRÉMIO NOBEL DA LEGUMINOSA SECA

Quando o senhor Norman Borlaug, prémio Nobel da leguminosa seca, alto funcionário da FAO. e dizem que inventor da maior burla do século que é a pomposamente chamada "revolução verde" - um dos maiores obstáculos a que o Terceiro Mundo efectivamente se emancipe e faça a revolução que lhe aprouver -, quando o senhor Borlaug e outros senhores Borlaug gritam que histéricos são os defensores da Natureza porque condenam urbi et orbi a chacina do DDT (burla de primeira água perpetrada contra o Terceiro Mundo e a independência efectiva do Terceiro Mundo), quando vem um outro senhor funcionário da FAO, Suvana Puma, repetir a papel químico a fala do senhor Borlaug, e tudo isso em nome da fome que dizem combater (?) mas que efectivamente pretendem alimentar, é outro falso dilema, é mais capítulo do intérmino folhetim da demagogia para-científica e para-técnica.
Antes do DDT,  não resolveram o "problema da fome", porque não lhes interessava resolvê-lo e porque a fome é apenas um aspecto da totalidade ambiente que importa resolver; como não hão-de resolvê-lo é óbvio e vê-se, com DDT, antes e depois do DDT.
O que um ecologista deverá demonstrar aos senhores Borlaug, aos senhores prémios Nobel da pólvora, aos senhores todos servidores da Engrenagem (fomentadora da miséria e da Abjecção) é que Fome e DDT estão de acordo. O que um ecologista sabe - embora todos lhe cortem a fala quando ele o tenta - , é que o DDT é o último alibi de uma manobra - , "distrair e adiar" - típica da Abjecção para alongar a fome e o subdesenvolvimento. Assim como os terrores da explosão demográfica são outro sofisma, outro falso dilema, outro capítulo da romanesca demagogia melodramática para emocionar temperamentos nervosos.
A Engrenagem, a Tecnoburrocracia é uma das suas imensas, muitas, pesadas armas de agressão à Pessoa Humana, simultaneamente biombo da exploração que pratica na sombra.
A fome resolve-se de um dia para o outro, sem DDT. E só sem DDT se poderá resolver. A qualidade - para um ecologista - passa a ser condição sine qua non da quantidade. Já que tudo o mais está do outro lado, a nós fica a especialidade da qualidade.
Condição sine qua non para que a fome desapareça (mas não só a fome, todas as carências, doenças, sofrimentos, alienações, degradações, humilhações, aberrações e torturas) é que desapareça a Engrenagem homicida de tecnocratas.
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(*) Este texto de Afonso Cautela,  foi publicado no «Diário do Alentejo», (Beja), em 12 de Abril de 1973, graças à atenção e hospitalidade do meu querido e inesquecível amigo José António Moedas
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