domingo, dezembro 28, 2008

HÁ JÁ 44 ANOS

1-1-abstenção-1-pp = ping pong das polémicas
Segunda-feira, 4 de Agosto de 2003

POLÉMICA OU ABSTENÇÃO (*)


Talvez haja saída (no Sud, quanto antes...) mas parece não haver outra alternativa. Aqui, parece que não: ou polémica (na acepção pejorativa da palavra) ou abstenção. Ou permanecer mudo e quedo, ou intervir, publicar, agir mas sabendo que as melhores energias se irão desgastar numa pugna , numa polémica de baixo estofo, numa luta que não é luta mas mero arremesso de palavras.
Na selva sem fim de uma cultura que é incultura, de uma vida que é morte literária, de umas artes que são malazartes, - a fatuidade, o bafio, a sobresuficiência dogmática,  a falta de sentido do "que importa", a falta absoluta do verdadeiro "connaitre" que é nascer com e de dentro (e não apanhar de fora e a frio), a falta de intuição, de imaginação e até de "charme", a falta de verdadeiro amor pelas ideias em vez de tanto amor próprio - tudo isto deixa pouca margem à respiração de quem respira, ainda respira.
Querer abrir as janelas e dizer que há mundo, impossível. Querer andar para a frente e dizer que há futuro, impossível. Querer ter esperança e acreditar, impossível. Porque logo surge a má fé, a má vontade, a má consciência e, se a polémica há-de estalar saudável, higiénica, civilizada, o que estala é o insulto, o ponteiro da autoridade, a palmatória de cinco olhinhos revirados para o que ousou sair para a rua - com um livro ou um artigo - em absoluta independência e disponibilidade de espírito, sem as "costas quentes" por nenhuma autoridade, força, instituição ou ideologia, apenas ele e mais nada.
Ah! se fosse possível dialogar! Se fosse possível conhecer serenamente as razões de cada qual e com razões responder! Se fosse possível civilizarmo-nos, mesmo sem ir a Paris! Se fosse possível um esforço heróico de vontade para abater barreiras e barreiras de equívocos que nos lançam, cega, absurdamente, uns contra os outros! Se fosse possível uma nesga de fraternidade neste inferno! Se fosse possível um raio de (sol) que rasgasse este espesso, extenso, inultrapassável, asfixiante nevoeiro!
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(*) Este texto de Afonso Cautela foi publicado no semanário «Notícias da Amadora, 31-10-1964, suplemento literário «Artes e Letras», coordenado por Joaquim Benite e colaborado por Deodato Santos, Vítor Anjos, Fernando Cabrita, Mário Dionísio

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