POETAS DO QUOTIDIANO: A ANTOLOGIA POSSÍVEL
My-life em fascículos – o labirinto da efemeridade - 1965
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1-6 - 65-05-01-sa
POESIA PORTUGUESA DO PÓS-GUERRA
VINTE ANOS DE POESIA
VINTE ANOS DE HISTÓRIA (*)
VINTE ANOS DE POESIA
VINTE ANOS DE HISTÓRIA (*)
(*) Este texto de Afonso Cautela foi publicado, com cortes e assinado também por Serafim Ferreira, no livro «Poesia Portuguesa do Pós-Guerra», Ed. Ulisseia, Lisboa, 1965
Fazia falta um livro que acompanhasse de perto e nas horas «difíceis», aqueles que ainda acreditam na poesia, embora nem sempre, nos suplementos literários ou nos livros que lhes servem, encontrem sintonizada a sua voz na voz dos poetas.
Fazia falta um livro que tentasse reabilitar a poesia aos olhos do famoso «homem comum. Se este livro não conseguiu tal propósito, consideramo-lo falhado. Creia-se, porém, que fizemos tudo para os reconciliar: poesia moderna e homem comum.
Poemas significantes, combativos, que documentem e testemunhem, que resistam (ao tempo e aos temporais), poemas datados e relacionados dialecticamente com um tempo ou espaço determinado: com certeza que sim, foram esses poemas que mais interessaram nesta compilação. Preocupou-nos também chamar aqueles poetas que só raramente têm surgido e publicado.
Sabemos que a excessiva verticalidade de muitos os conduziu ao silêncio. Quisemos que esse silêncio tivesse aqui muito peso. E não exageramos ao dizer que nesta antologia os silêncios falam mais alto do que as palavras. Por isso os poemas inéditos desempenham um propósito a considerar.
Qualquer que seja o futuro e o grau desalienatório que as potências governantes consigam para os indivíduos governados, cremos que o dever do escritor em geral e do escritor de versos em particular, será, onde quer que esteja, alimentar o mito da liberdade (se mito for) e apontá-lo ao homem alienado onde quer que ele por enquanto se encontre, a leste ou a oeste.
Nunca é ocioso, gratuito, estéril ou descomprometido quem faz da comunicação com os outros - os que também quiserem comunicar - o primeiro e último alvo. Porque a sociedade de transição em que vivemos raramente ou nunca permite momentos de inteira comunicabilidade, necessário e urgente é que esses momentos se realizem através da palavra escrita.
Daí que a literatura em geral e a poesia em particular tivesse sido para nós, enquanto recolhíamos poemas, esse grande, necessário, caudaloso e quente rio que faz comunicar as solidões. Mais do que deleite ou gozo estético, importaram para aqui os poemas que acordam, obrigam a ver claro, desmistificam, criam e mantêm um estado de tensão e atenção: ainda que para isso tenham de esbofetear ou ser grosseiros ou mesmo de sacrificar um pouco a originalidade e beleza da forma.
Acima de tudo que se não confunda, neste trabalho, poesia com arte literária. Tudo menos isso. À crítica e arte literária dos animais roedores nossos conhecidos, à crítica-paráfrase, à crítica-roda-pé-semanal, respondemos que a Crítica, além de consciência da crise, é Aposta; é saber antes do tempo o que o tempo vai dizer. Por isso não esperámos por amanhã. Hoje já somos amanhã e afirmamos que os esquecidos de agora (tem sido sempre assim) serão os lembrados de sempre. Aqui, nós apostámos.
Se a designação «poemas polémicos» significa alguma coisa, então designaríamos assim a maioria dos poemas escolhidos. Se a função do poeta, no nosso entender, é criar mitos novos que substituam os antigos, arranjar a realidade de maneiras cada vez mais aproximadas da sempre fugidia realidade-ela-própria através de combinatórias verbais, a sua função pode ser também e por isso a de criticar os mitos velhos pelo humor ou pela ironia, pela anedota ou pela sátira, ainda e sempre pelas analogias à distância, pela súbita associação de elementos nunca até aí conjugados.
Realismo crítico será talvez isto: ver o que se chama realidade mas é apenas uma aproximação dela - o tecido mitológico de que o nosso aparelho, sensorial, intelectual e afectivo a cobre - e , desintegrando esse tecido, contribuir para a elaboração de um novo que melhor se lhe ajuste. A esta fase ou aspecto da escrita poética não será difícil chamar-lhe polémico e considerá-lo a fase agente da literatura, aquela fase em que a literatura também pode ser acção. Preocupámo-nos em conseguir poemas, dentro desta perspectiva.
Poeta será o que dentro da História não colabora nela, mas está sempre para lá dela. O que resiste. Sempre, à procura da mutação das suas próprias estruturas. E hoje mais do que nunca se ouve o convite à grande metamorfose.
«Transmutar valores» (Nietzsche), «Transformar o mundo» (Marx), «Mudar a vida» (Rimbaud), são palavras de ordem que se tornaram lugares-comuns para a nossa época.
Ora, se tudo se desintegra, evolui, transforma, poderá o poeta persistir nas formas de pensar, querer e sentir, nas «formas de ser» segundo o padrão clássico, romântico, realista, neo-realista; surrealista ?
Se a cultura ocidental tem sido mais ou menos ininterruptamente um presídio para a liberdade espiritual, sentimos que está a formar-se e a engrossar uma contra-corrente. Os poetas aqui reunidos vão, parece-nos, na vanguarda dessa corrente.
Não pretendemos esgotar uma tendência nem sequer uma época (vinte anos – 1945/1965) da poesia portuguesa. Procurámos apenas poemas que documentem um período histórico e um espaço geográfico, que reflictam portanto o «ar do tempo», o clima sob o qual foram escritos. Preferimos a este propósito, e porque estamos demasiado atentos à realidade, não falar de realismo. De nenhum (sur) realismo.
Entre as correntes poéticas estabelecidas, foram escolhidos poemas e autores que, segundo os críticos de rodapé, talvez enfileirem, de boa ou má vontade, nesta ou naquela. Bem pouco nos importou a filiação ou corrente, ainda que em alguns casos saibamos importar muito aos próprios autores. Se de tudo isto resultar uma tendência definida e única, garantimos que a culpa não nos pertence nem estava nas nossas intenções fazer qualquer manifesto de escola, corrente ou ismo poético.
A função desta antologia pretende ser mais prospectiva que retrospectiva: olhou-se menos ao enquadramento histórico-literário dos autores e poemas do que à função catalisadora que no conjunto pudessem ter sobre o jovem poeta que procura um pouco às aranhas o norte. A maioria dos poetas, aqui reunidos, aliás, só estiveram na literatura porque (é óbvio) não os deixaram estar noutra parte. Não estiveram porém para literatos nem para as histórias literárias, o que é também óbvio e dá aos seus poemas significado para lá do meramente estético.
Por muito que a vanguarda poética desacredite a poesia convencional com função comunicante - teimámos (talvez sem êxito) em incluir poesias que, sugerindo sempre, não deixem contudo de significar, testemunhar, comunicar. Enfim, a desintegração do discurso, ultimamente tão reclamada, foi uma tentação de que procurámos fugir, por muito que o clima desintegratório (na literatura e fora dela) nos convidasse a tal.
Que a poesia, ao menos, tente integrar o homem desintegrado do nosso tempo-e-mundo! Não afirmamos que o faça, mas desejaríamos que o fizesse.
A alternativa para os formalismos imaginistas, ultra-esteticistas, concretistas, construtivistas, experimentalistas, etc., não é inevitável e necessariamente o retorno ao lirismo tradicional ou a queda (por não ter onde cair morta) nos neo-realismos de má morte, erradamente chamada, esta última, poesia social, alistada, engagé. Nem esteticismo nem poesia veículo de demagogia. «Entre a frivolidade e a propaganda», diria Camus e dizemos nós. Entre uma asneira (a formalista) e outra asneira (a realista) entendemos a literatura como acção e a essa acção chamamos Poesia.
Por isso Poesia será movimento para a liberdade, será liberdade em movimento. Isto e sempre isto e só isto.
O poeta pode não se dirigir às massas mas pode penetrar na intimidade das solidões e povoá-las. É um indivíduo que fala a outro indivíduo, reconhecendo-se reciprocamente como pessoas e não como objectos.
Se a poesia não for isto - um comunicar de solidões, uma telepatia activa e afectiva, um ardente e caudaloso rio de fraternidade - o que poderá ser ?
Se o poeta não for um homem situado no tempo e no espaço, em qualquer parte do mundo e em qualquer instante da História, falando, dando a mão a um outro, único, individual, só, concreto e real, que será, que poderá ser o poeta e a poesia mais do que vaidade, lixo, nada ?
Se a liberdade é o especificamente humano, então a melhor maneira de o poeta servir o homem e lutar por ele é praticar e ensinar a liberdade. Quando o escritor luta verdadeiramente com a sua arma - a palavra -, quando não está coarctado, mostra de facto que a literatura é acção e que a sua acção transforma o mundo, modifica a vida. A guerra é na verdade (e para ele) sobre o papel. E a arma é de facto a palavra, se acima da literatura literária estiver sempre qualquer coisa muito mais da que ela: o homem, talvez, esse macaco capaz de liberdade.
Entre uma literatura sem tensão nem atenção, vagueando num universo lunar, à procura da pedra filosofal e da quintessência da quintessência, uma literatura sem tempo e sem lugar, entre essa e uma outra que obriga o escritor a prévio programa ideológico, apenas pedimos ao poeta o clímax ou tensão que caracteriza o homem neutral mas comprometido, neutral com as instituições e comprometido com os indivíduos, tanto mais comprometido quanto mais neutral. É essa, julgamos, a posição do franco-atirador que, sem se alhear do mundo em que vive, se recusa porém a fazer parte dos «exércitos regulares».
Que esta antologia ou cancioneiro seja a voz dos que não podem, não sabem ou não querem falar.
E talvez a música possa ser outra. Aqui se encontram muitos versos para cantar e decorar. Que no conjunto e daqui par alguns anos, esta Poesia Portuguesa do Pós-Guerra possa constituir um documentário vivo de uma determinada consciência (ou
falta de consciência) histórica, eis uma ambição que só por modéstia não manifestamos.
Lisboa, Maio de 1965.
AFONSO CAUTELA
SERAFIM FERREIRA
(*) Este texto de Afonso Cautela foi publicado, com cortes e assinado também por Serafim Ferreira, no livro «Poesia Portuguesa do Pós-Guerra», Ed. Ulisseia, Lisboa, 1965
POETAS ANTOLOGIADOS
ALBERTO DE LACERDA
ALEXANDRE O'NEILL
ALEXANDRE PINHEIRO TORRES
ÁLVARO MANUEL MACHADO.
ANTÓNIO AUGUSTO MENANO
ANTÓNIO BARAHONA DA FONSECA
ANTÓNIO BORGES COELHO
ANTÓNIO CABRAL
ANTÓNIO DOMINGUES
ANTÓNIO GEDEÃO
ANTÓNIO JOSÉ FORTE
ANTÓNIO LUÍS MOITA
ANTÓNIO RAMOS ROSA
ANTÓNIO REBORDÃO NAVARRO
ARMANDO DA SILVA CARVALHO
AURELIANO LIMA
CANDEIAS NUNES
CARLOS EURICO DA COSTA
CARLOS GABRIEL
CARLOS PORTO
CASIMIRO DE BRITO
DANIEL FILIPE
DEODATO SANTOS
DOMINGOS JANEIRO
EDUARDO OLÍMPIO
EDUARDO VALENTE DA FONSECA
EGITO GONÇALVES
FERNANDO ASSIS PACHECO
FERNANDO ILHARCO MORGADO
FERNANDO LEMOS
FERNANDO MIGUEL BERNARDES
FERREIRA GUEDES
FIAMA HASSE PAIS BRANDÃO
GASTÃO CRUZ
HELDER MACEDO
HENRIQUE SEGURADO
JOÃO APOLINÁRIQ
JOÃO RIBEIRO DE MELO
JOÃO RUI DE SOUSA
JOAQUIM NAMORADO
JOAQUIM VERMELHO
JORGE ARAÚJO
JOSÉ AFONSO
JOSÉ ANTÓNIO MOEDAS
JOSÉ AUGUSTO SEABRA
JOSÉ AURÉLIO
JOSÉ BIZARRO
JOSÉ CARLOS ARY DOS SANTOS
JOSÉ CARLOS DE VASCONCELOS
JOSÉ CUTILEIRO
JOSÉ PRUDÊNCIO
JOSÉ SARAMAGO
LIBERTO CRUZ
LÚCIO DURO
LUÍS SERRANO
LUÍS VEIGA LEITÃO
LUÍSA DUCLA SOARES
LUIZA NETO JORGE
MANUEL ALEGRE
MANUEL MADEIRA
MARIA ALMIRA MEDINA
MÁRIO CESARINY DE VASCONCELOS
MÁRIO DIAS RAMOS
MÁRIO GONÇALVES
MÁRIO HENRIQUE LEIRIA
MARTA CRISTINA DE ARAÚJO
NATÁLIA CORREIA
NUNO TEIXEIRA NEVES
ORLANDO NEVES
PAPINIANO CARLOS
PEDRO ALVIM
PEDRO OOM
PEDRO DA SILVEIRA
RAUL DE CARVALHO
REINALDO FERREIRA
SEBASTIÃO DA GAMA
SOPHIA DE MELLO BREYNER ANDERSEN
VASCO COSTA MARQUES
VASCO GRAÇA MOURA
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PONTOS FUNDAMENTAIS DO NOSSO
CRITÉRIO DE ESCOLHA:
1.º Incluem-se poemas inéditos, ou publicados em livros, jornais e revistas, de autores revelados entre 1945 e 1965.
2.º Excluem-se poemas de autores que, embora tivessem aparecido naquele período, não se enquadram no âmbito e intenções desta antologia.
3º Excluem-se também poemas de autores que, embora de expressão portuguesa, não estão abrangidos pelo tempo e espaço desta antologia.♥♥♥
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